sexta-feira, 1 de maio de 2009

SERÁ QUE OS HUMANOS SABEM?

Foto de Martin Gremm

Procuro abrigo numa avenida onde não circulam carros nem existem árvores. Por lá passam muitos dedos que apontam, que se assumem apoio de olhares que ali procuram. Uns decididos sabendo o que ambicionam, outros indecisos na expectativa de serem surpreendidos, cativados. É uma avenida onde impera o silêncio. Onde se segreda. Onde se contempla.

Não sei como os humanos chamarão a esta estranheza de me saber semelhante a outras mais, mas ter a certeza de ser diferente de todas. Serei gémea na forma, na constituição, no som, até mesmo no sentido. Mas sou única pois onde me colocarem só eu lá poderei viver. Se e quando me escolherem, não sei quanto tempo viverei. Julgam os humanos que não tenho sentimentos. Servirei somente para exprimir aqueles que eles sentem. E a minha sorte dependerá de quem e como me descobrir. Tanto poderei ser a solução inquestionável e então viver eternamente, como assim o parecer mas apenas até ao momento de encontrarem quem me substitua. E o meu tempo terminará. Riscada, apagada, esquecida.

Não sei como os humanos chamarão a esta inquietude. Esta vontade de que reparem em mim. Que me elejam. Que me escolham. De saber-me útil. Diferente. Especial para alguém. Alguém que se torne especial para mim. Porque me segurou, me fixou, me levou para o meio de muitas outras. Porque precisou de mim. Porque fui incontestável no seu objectivo de expressar o que nenhuma outra fora, ou será capaz de lhe proporcionar. Porque serei única para esse alguém.

Enquanto nada acontece, aqui me vou mantendo discreta a querer que me vejam. Que sintam falta de mim. Que percebam ser eu a única possibilidade para preencher a ausência, o vazio que atormenta. Enquanto nada se modifica, aqui fico eu, nesta avenida onde as memórias ganham pó. À espera de descobrir um abrigo, uma residência, uma página onde me escrevam. Enquanto isso não acontece, aqui fico eu. Não sei como os humanos definirão este imaginar o que não se realiza. Mas se quer. Com muito querer. Não sei se os humanos poderão sentir este desejo de me sentir abraçada no meio duma página dum livro fechado e poder explodir em emoções quando a página anterior se virar e um olhar me descobrir. Me reconhecer.

Não sei se os humanos saberão. O meu esqueleto é feito de letras.

2 comentários:

Alexandra disse...

E das letras se fazem palavras, e as palavras são sustento...

Marta disse...

Gostei muito de ler. íssimo.