
As madeiras rangem queixumes de décadas por entre a densidade do silêncio, qual nevoeiro sobre o rio, numa manhã de Inverno sem chuva. Apesar de ser Primavera sinto o frio da tua ausência abraçar-me quando a tarde se vai. Lá fora, nas árvores, as folhas não se movem. O aroma das flores entra pela janela enquanto cozinho o prato de que sei gostares. Condimento-o como se espalhasse beijos na tua pele. Em monólogo, dialogo contigo como se tivesses acabado de chegar e esperasses pela bebida que te preparo. Mexo languidamente o preparado como se, com carinho, meus dedos passeassem pelos teus cabelos afagando tua nuca. Invento o cheiro do teu perfume quando entro na sala e me sento no chão, sobre o tapete onde fizemos amor pela última vez. Começo uma conversa com os livros. Sinto-me uma página a desejar ser folheada. Peço-lhes que me leiam um poema escrito por ti. Em cima do tampo da secretária repousa uma caneta sobre uma folha onde ensaiei palavras não terminadas. Ordeno-lhe que escreva a voz do meu coração, o céu dos meus pensamentos, para que um dia os leias. E penso ‘se tu viesses ver-me…’. Levanto-me, caminho até à porta, deixo a noite entrar. No alpendre, acendo a candeia para que… se vieres, a saudade te veja chegar.
[Na era digital, também da fotografia, Ampliações são as minhas revelações de algumas sugestivas imagens de SONJA VALENTINA; são ampliações escritas, obviamente pessoais, dos pormenores com vida registados pela fotógrafa]
3 comentários:
Este é simplesmente...
"um poema de corpo inteiro" onde nem um suspiro ousa
...sequer alisar a baínha da noite,da tua chegada...
Abraço PASSOS
Brilhante!
Abençoados os que tão bem sabem usar as (pa)lavras da emoção.
mais uma boa "ampliação"!
dupla mágica!
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