quarta-feira, 27 de maio de 2009

E SE NÃO HOUVER AMANHÃ?

Foto de Philip LePage


‘Obrigado Clara! Às oito e meia passo por tua casa. Até logo!’

‘É tão bom que tenhas vindo. Estou mesmo a precisar de comentar algumas coisas estranhas que me vêm acontecendo.’
'É bom de facto. É sempre um prazer conversar contigo. Vamos adiando consecutivamente e quando damos por isso já passou demasiado tempo sobre a última vez. Mas conta-me o que tanto te atormenta.’
‘Clara, é uma história tão irreal e ridícula que não admito, a mim própria dar-lhe valor, mas acontece que não consigo desligar-me dela! Uma pessoa que não conheço, nem sei quem é, começou a enviar-me mensagens e deixou-me recados… é alguém que me segue as passadas para o conseguir fazer com tanta precisão. Um louco certamente. E nem sequer sinto receio. Com medo, estou eu, das minhas reacções, da minha incapacidade de reagir e de agir com determinação. Um dia telefonei ao fulano para o descompor e… acabei por pouco lhe dizer. Subitamente fui incapaz de dominar a minha vontade. Devo estar muito cansada. Inesperadamente as coincidências parecem repetir-se… hoje, num semáforo percebi que o condutor do carro de trás me fixava através do retrovisor. Fiquei com uma insistente sensação de que já me fixara naquele olhar e acabei por me lembrar. Quando me bateram no carro tinha-me acontecido um cruzamento de olhares com alguém que estava parado por perto e… sabes o que é ainda mais idiota? É achar que é esse homem o autor das mensagens e recados.’
‘Mas querida… tudo o que me contas é uma loucura. E se ele é mesmo um demente? Se fosse a ti já tinha era falado com a polícia. Sabes lá as ideias do homem…’
‘Acreditas? Já ponderei essa possibilidade. Mas não tenho qualquer receio… quer o seu olhar, quer as suas palavras não me transmitem obsessão. Apenas vontade de dizer algo… e o que me irrita é a forma como mexeu comigo, como me incomoda com algum sabor, como me ocupa o tempo, o pensamento… e é isso que não admito. E é por isso que tudo quanto me apetecia fazer seria descompô-lo. Mas…’
‘O quê?!?! Não! Não acredito… estás a querer dizer-me que estás… apaixonada?... por um fantasma? Não acredito!’
‘Não!!! Acho que não. Não sei…’
‘Mas… minha amiga, estás a precisar de sair, de te distraíres, de pensares noutras coisas…’
’Clara… eu tenho-o feito. Mas a verdade é que o meu pensamento foge sempre para… aquelas palavras…’
‘Então… só vejo uma solução. Tu própria desconstruires essa história. Fala com o fulano e esclarece contigo mesma toda essa irrealidade. … evitar talvez não seja o melhor caminho… sei lá eu… nunca pensei estar a dizer-te isto, mas…’
‘Achas mesmo?!...’
‘Se estás tão crente que ele não é um desequilibrado… é que, por vezes, talvez devamos questionar a justiça da razão.’


3 comentários:

Alexandra disse...

Vai de certeza haver um amanhã!

Às coincidências chamou Carl Jung sincrinicidades. Sendo que nelas [sincronicidades] não existe lugar à razão.

helenabranco.poet@gmail.com disse...

As obsessões as perseguições as fixações são perigosas...invadem manipulam e desiquilibram os relacionamentos...causando danos irreparáveis...

Só se deve sonhar o que se pode ter..


PASSOS dá-se igualmente bem nos discursos indirectos...

Abraço

Carla disse...

...porque, por vezes a vida prega-nos pequenas partidas que podem mudar drasticamente o seu curso
beijos e adorei