sábado, 31 de janeiro de 2009

QUATRO ESTAÇÕES

Foto © Wilson Hurst

Olho-te

E não me vês

Sou o sol do meio-dia

Num céu azul de Julho

 

Toco-te

E não me sentes

Sou um floco gélido

Dum nevão de Janeiro

 

Falo-te

E não me ouves

Sou uma folha amarela

Caída numa poça de Outubro

 

Desejo-te

Mas não me queres

És uma andorinha

Em busca duma nova Primavera.

 

 

sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

PROCURO

Foto © Magdalena Wanli


Procuro palavras para me reencontrar

E busco nelas a leitura que me satisfaz

Procuro linhas desacertadas nas suas interrogações

Em busca dum rumo para traçar

Demando sentimentos por escrever

E só vejo chuva que não pára de cair

Pergunto pelas palavras e oiço o silêncio

Pergunto pelas emoções e oiço a ausência

Pergunto por mim… e só vejo o meu passado.

 

Fujo do silêncio à espera de duas gotas que me tragam o sol…

HOJE... OS MEUS PASSOS

Foto © Zbyszek Filipiak


Hoje os meus passos são uma marcha fúnebre

Hoje os meus passos caminham sobre poças de tristeza

Hoje os meus passos enterram-se na lama da incapacidade

Hoje os meus passos não conseguem olhar para a frente

Hoje os meus passos não acreditam no futuro

Hoje os meus passos caminham porque estou vivo

… sem saber para onde.


quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

MEDO

Foto © ALTphotos.com


Tenho medo de perder o meu eu

Tenho medo da solidão

Tenho medo de estender a mão para o vazio

Tenho medo de perder

Tenho medo de sentir a minha pequenez

Tenho medo de começar

Estou com medo de viver

 

Onde estou?...


quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

CERTEZA

foto: solorider

Verbo inadequado para conjugar no futuro.

Na efemeridade do presente, quantas vezes tentamos escrever com certeza o futuro?

Mas só ao parar e olharmos para trás, conseguimos ter certeza do que conseguimos escrever como havíamos desejado, ou o que foi impossível desenhar como sonhado…

… e como precisaríamos de ter certezas para o futuro….


terça-feira, 27 de janeiro de 2009

OPERAÇÕES NÃO ARITMÉTICAS


Partilhar = Dividir

Dividir = Separar

Partilhar ≠ Separar

 

Será a mera constatação de que a Língua Portuguesa poderá ser muito ambígua, ou revelará simplesmente a realidade da vida?

“Partilhar é Dividir!” Partilhar é o prazer, ou a necessidade, de oferecer um pouco de nós ao outro ou a outros. Partilhar é uma dádiva desinteressada, salutar... é um sinal de crescimento. Mas partilhar é, também, o desespero para que nos ouçam, que nos digam fazer sentido aquilo que precisamos não calar.

“Dividir é separar!” Dividir é prescindir dum pouco de nós para dar ao outro ou aos outros. Por compaixão ou imposição... por humanidade, por dever, por caridade, por obrigação… Dividir nunca será uma necessidade, porque se o fosse seria partilhar.

Ao partilhar, construímo-nos… ao dividir, destruímo-nos…

Enquanto crescemos, adquirimos… aprendemos a partilhar e construímos, crescemos, adicionamos.

Por obrigação, a divisão é perda… e quando dividimos obrigamos a perder. E quanto mais dividimos, menos partilhamos, menos crescemos, menos somos nós e menos teremos para partilhar… para oferecer ao outro, ou aos outros…

Partilhar não é dividir, pois partilhar não é separar!

Dividir não é partilhar, pois não crescemos a dividir, mas sim a multiplicar!... para poder partilhar...

segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

UM LEITO...


Palco do sono

e do sonho

Lugar do desejo

e da infidelidade

Espaço do amor

da ternura, do afecto

Superfície do repouso,

do descanso, da descontracção

Território das insónias,

do desespero, do medo

Sítio do abandono,

da recuperação,

do fogo e do derreter

Local da partilha e da solidão

do conquistar, do ter e do perder

do diálogo, do monólogo e do silêncio

… do começar e do acabar

Cena da concepção, da vida e da morte

Direito que todos temos

mas de que alguns não usufruem…

quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

LIVROS FAVORITOS


Livros favoritos? Claro que os tenho, mas como listá-los? Uns vão, outros vêm, e, claro, alguns ficam mais do que outros!

Este não será o favorito, nem sei se um dos favoritos, foi o que acabei de ler e que me cativou.

Não possuo vocabulário para qualificar um escritor que outros, indubitavelmente mais capacitados do que eu, já reconheceram como ‘o melhor do mundo’… aprendi a gostar de ler Saramago há pouco tempo atrás, com As Intermitências da Morte. O seu último livro, A Viagem do Elefante, é uma ideia inédita e singular, digna unicamente de quem é capaz de ser diferente; nas duas centenas de folhas tropeçamos numa imaginação máxima, num humor que nos faz, aqui e ali, brilhar os lábios e numa crítica sempre perspicaz.

Porque não o sei expressar de outra forma, limito-me a dizer: “Obrigado José Saramago!”


ÍNTEGRO


Acreditar na integridade de outro sem duvidar
Duvidar da integridade de outro sem vacilar

Onde está a íntegridade?

Na verdade daquele que é verdadeiro por assumir ter errado
ou no resguardo do que oculta os seus erros?

Íntegro? Quem é? Quem sou?

Íntegro = inteiro, completo, honrado, recto...
Não o serei por ter cometido erros? E assumi-los? E caminhar procurando evitar a sua repetição?

Não o sou seguramente aos olhos de quem o não quer ver... e será importante sê-lo? ... se o não quer reconhecer?

quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

AUSÊNCIA


Todos os dias subo as escadas
e ao abrir a porta
a casa está habitada pela sua ausência

A cada dia crio a expectativa
de que regresse diferente
que regresse como já foi
como não tem sido

Mas no seu regresso retardado
diariamente repetido
a ilusão dissipa-se
e o hoje torna-se igual a ontem

E quando a porta se fecha
a expectativa esmorece
e a casa teima em ficar habitada
pela solidão de dois entes que se amaram...

terça-feira, 20 de janeiro de 2009

ERROS


Os erros de Sophia de Mello Breyner Andersen

A confusão a fraude os erros cometidos
A transparência perdida – o grito

Que não conseguiu atravessar o opaco
O limiar e o linear perdidos

Deverá tudo passar a ser passado
Como projecto falhado e abandonado
Como papel que se atira ao cesto
Como abismo fracasso não esperança
Ou poderemos enfrentar e superar
Recomeçar a partir da página em branco
Como escrita de poema obstinado?



O regresso vale a pena...

e mais do que destruir... valerá a pena tentar reconstruir... a vida merece... e uma parte do passado também.

segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

MATURIDADE



Quisera eu ter 'Maturidade'... para quê? 

Provavelmente não saberei... para não sentir insegurança... para que as minhas análises possam ser estruturadas... para que não me constranjam as análises dos outros que se me afiguram com mais 'maturidade' do que eu...

O que é ter maturidade? Alguém diz que é 'ter o estado de espírito no seu auge'... que será similar à 'perfeição'... quanto eu tento alcançar a perfeição... não, na verdade, para a assumir... apenas para me afastar da imperfeição... não ter imaturidade... mas a que distância o meu estado de espírito permanece do seu auge?

As palavras seguintes são de Nietzche:

"A alternância de amor e ódio caracteriza, durante muito tempo, a condição íntima de uma pessoa que quer ser livre no seu juízo acerca da vida; ela não esquece e guarda rancor às coisas por tudo, pelo bom e pelo mau. Por fim, quando, à força de anotar as suas experiências, todo o quadro da sua alma estiver completamente escrito, já não desprezará nem odiará a existência, mas tão-pouco a amará, antes permanecerá por cima dela, ora com o olhar da alegria, ora com o da tristeza, e, tal como a Natureza, a sua disposição ora será estival, ora outunal."

Quisera eu ter 'maturidade'? Eu não quero estar acima nem de nada, nem dos outros... apenas aprender com os outros, para que os outros possam receber o que tenho para dar...