sábado, 28 de fevereiro de 2009

NO SILÊNCIO

Foto © Donnie Mackay 


No silêncio
existem palavras
perguntas por fazer
respostas por dar
Angústias
Receios
No silêncio
existem paixões frustradas
desejos reprimidos
verdades encobertas
No silêncio
existe o vazio
e um todo completo
No silêncio
existe o que ainda se não disse
e lembranças do infinitamente repetido
No silêncio
existe métrica
versos, estrofes,
rima e poesia
No silêncio existe
a dúvida de dever dizer
o que não sei se precisa ser dito…


sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

FUGIU DE CASA DE SEUS PAIS



A VOZ DO SILÊNCIO

Foto © Karel Sobota


A voz do silêncio
ecoa em voo planado,
rasante à tristeza
do terreno árido,
de sulcos ávidos de água,
como os meus lábios gretados
do teu beijo molhado

A voz do silêncio
ecoa em cântico singular,
chorado sobre a solidão
do areal seco,
expectando a rebentação,
como o meu corpo gelado,
o calor da tua pele


quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

CANSAÇO...

Foto © Marta Laura  

Despojas um cansaço desconhecido de teu corpo, sobre a areia anónima, adormecida à espera do mar... como se a areia fosse o teu solo, o chão do palco que pisaste e onde dançaste até ao esgotamento, o húmus das danças que o teu corpo quis viver enquanto as luzes não se apagaram. Repousas na superfície granulada sem nome, nem endereço… dormes ou sonhas?... pereces ou aguardas uma ressurreição impossível?... os aplausos terminaram e a maquilhagem já se desfez… será que uma nova vaga te acordará? Perpetuas o teu descanso inanimado… à espera… aguardando… quero dar-te a minha mão, mas… não te alcanço… a distância estilhaça-se e não me deixa te alcançar… não consigo tocar-te… não posso… és demasiado frágil… estás excessivamente débil… e eu impotente para te erguer… para te levar… para te acordar desse descanso onde queres ficar. Fico… à espera… do mar... para te trazer até mim.


quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

PALAVRAS II


Foto © Brian Petersen

As palavras são uma massa com a qual enchemos o vazio provocado pelas perdas. Preenchem esse espaço até que outros sentimentos, outras emoções, outras descobertas venham reclamar a sua posição. Aí transformam-se em espuma sequiosa de extravasar da taça, em fogo-de-artifício desejoso de se mostrar. Mas apenas até que a vida, de novo, nos pegue pelo cachaço e atire borda fora, deixando-nos um novo vazio a querer ser preenchido por palavras.

ONDE ESTÃO AS PALAVRAS?

Foto © Marianne Le Carrour


Onde estão as palavras
que ficaram por escrever
nas cartas não enviadas
quando a distância nos separou?

Onde estão as palavras
caladas nas noites de insónia
oprimidas nos momentos de dúvida
afogadas nas horas de incerteza?

Onde estão as palavras
clamadas na revolta
choradas na angústia
imploradas no arrependimento?

Que sabor têm, agora, as palavras
que nascem de dentro de mim
que liberto no papel
sem saber se são para ‘ti’?


terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

O QUE É O TEMPO?

Foto © Jan Bernhardtz

O tempo é uma abstracção real, ou uma realidade abstracta?
O tempo sente-se mas não se deixa tocar
O tempo toca-nos mas não se deixa apanhar
O tempo corre e faz com que passemos uma vida a correr com ele... sem parar


O tempo é uma avenida infindável
por vezes larga, solarenga, arborizada
outras estreita, cinzenta, deserta
O tempo pode ser uma viela desembocando num beco sem saída
ou uma travessa que se abre numa praça cheia de luz


O tempo tem esquinas
curvas apertadas
outras quase imperceptíveis
apenas para nos alertar que a avenida não é plenamente direita


Mas o tempo é, também, uma rotunda congestionada
com inúmeras saídas por assinalar
ou uma placa giratória
à espera duma decisão


O que é o tempo?


O trânsito duma vida?


domingo, 22 de fevereiro de 2009

DESDOBRAGENS

Foto © Marianne Le Carrour



Desdobro as frases
em busca de palavras
que me levem a ti
emoções com olhos
que me observem
e raptem deste labirinto
de perguntas para as quais
não encontro resposta

Desdobro a razão
respondendo a perguntas
não formuladas
sempre ao encontro
de palavras
que me devolvam emoções perdidas
e sentimentos a não perder

sábado, 21 de fevereiro de 2009

À DERIVA

Foto © Marek Waskie


Deixo-me ir
qual barcaça à deriva
balançando ao sabor
da magia e da maré
preso a limbos
arrastado por invernias
deixo uma margem
em busca dum cais
navegando sem leme
resisto a novas correntes
deixo tocar-me
pelo perfume de novas brisas
sou timoneiro de mim próprio
recuso imergir
para quando mergulhar
fazê-lo bem fundo!

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

DE FORA PARA DENTRO

Foto © Rike B.


… no telhado, uma pequena janela triangular marca a fronteira entre o céu e aquele pedaço de espaço que se acrescenta ao esconso do tecto; por ela entra o banho da lua, nas noites em que está cheia, e penetram os raios de luz. Fragmentos de tempo polvilham as paredes do sítio sem género. Nos sulcos do sofá, testemunhas de inolvidáveis segredos, abandonam-se livros de páginas despojadas obsessivamente lidas até ao desprezo; nas paredes pendem, adormecidas, fotografias coloridas pela sépia da lentidão, retalhos arrancados, à força, a memórias instantâneas; um relógio marca a hora que não passou… sobre a mesa, uma máquina de escrever desgastada guarda, nas teclas, o peso de palavras que lhe foram arrancadas com paixão, com angústia, com raiva, com ternura… a seu lado uma chávena esquecida retém o líquido em migalhas do sabor que já perdeu e folhas de papel sobrepõem-se… escritas a lápis, repetida e infinitamente riscadas, nunca apagadas, as mesmas palavras… em cima de todas elas, as mesmas palavras por riscar: Quando te leio, esqueço as palavras…


TÃO TARDE... e TÃO CEDO

Foto © Roan Suvelis


É tão tarde, meu amor
a noite já se deitou
confronto-me com uma página branca
sem saber o que escrever
É tão tarde, meu amor
as estrelas cambaleiam no céu
a lua boceja
oiço o ressoar do silêncio
na minha frente uma página em branco
sem palavras que caibam nela
É mesmo tarde, meu amor
a escuridão não se move
e todas as palavras se afiguram desajustadas
para escrever numa página em branco
É tão tarde, mas tão tarde, meu amor
a madrugada espraia-se
e não tenho palavras
para preencher esta página em branco
vazia
É tão cedo… meu amor
a manhã desperta
a alvura tenta o primeiro olhar
os primeiros sons do dia
rompem o silêncio
a página continua em branco
porque ainda é tão cedo
meu amor

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

CONVERSA COM O SILÊNCIO

Foto © Sascha Huettenhain


Esta noite estive a conversar com o silêncio e falei-lhe de ti… dos teus cabelos, do teu olhar, do teu sorriso, do teu rosto… das tuas emoções, dos teus receios, dos teus objectivos, da tua boca, da tua idade, das tuas palavras… como a conversa era entre homens, falei-lhe do teu corpo, das tuas carícias, da tua ternura, dos teus desejos… e o silêncio perguntou-me:  - E como é ela? Descreve-a!... e eu respondi-lhe: é uma ave, uma nuvem, uma maré, uma melodia… uma utopia…


quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

MEMÓRIAS COM MÁGOA

Foto © Magdalena


As memórias com mágua
vou enterrá-las
naquele vaso
escondido
no recôndito
canto esquecido
do quintal do tempo
Lembras-te?
Aquele onde me pediste
para depositar
outras memórias de mim
que te magoavam
Curioso...
Sabes?
Memórias tuas
aquelas que agora me magoam
vão ficar junto de outras
que me havías pedido
para retirar
do meu álbum de memórias
Ali
juntas
no mesmo vaso
escondido
no recôndito
canto esquecido
do quintal do tempo

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

CARTA PARA NINGUÉM

Foto © Ewa Brzozowska


Meu amor,

Não te iludas com as palavras que eu escrevo, porque são verdadeiras.

Não te inebries com a frequência das minhas palavras, porque é necessária.

As palavras, meu amor, não são eternas, como o não são os sentimentos. Mas a verdade, a verdade eterniza-se e a verdade com que escrevo as palavras, meu amor, é imortal.

E se eu deixar de escrever palavras, meu amor, não me o digas, não me o lembres, não me perguntes o porquê, não me acuses. Leva as palavras que eu já escrevi e foge, voa para longe.

… para que eu tenha de correr atrás de ti… com outras palavras verdadeiras.

É tão bom ter palavras que foram escritas para nós… só...


segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

PALAVRAS...

Foto © Paola Camiciottoli 


Rompi
as grades da escrita
em soluços de revolta e de raiva

Transporto nas palavras
a silhueta
do meu doer

Em cada espaço em branco
em cada linha por escrever
expecto a alvorada
numa nova estrofe

Mas só a certeza
de que me leias
me trará novo sangue
às veias

domingo, 15 de fevereiro de 2009

SONHO REAL


Foto © slyyy

 

Fechei os olhos
e sonhei que sonhava
navegar num rio
de mágoas choradas
em lágrimas das palavras
recusadas
os dedos das minhas mãos
eram um aluvião
de carícias rejeitadas
e no meu corpo
respirava um pôr-do-sol
cadenciado pelos despojos
dum desejo
que teima em não encontrar
um corpo onde se render

ao ‘acordar’
a maré vazara
e o sonho em que me afundara
era real

sábado, 14 de fevereiro de 2009

BEIJO


Um beijo
Bjos
Beijinhos
Beijocas
Beijos
...


com o passar do tempo, o beijo foi tomando tantas formas que se banalizou. Hoje, quase niguém termina um e-mail, uma sms, um post ou comentário na blogosfera, sem uma destas formas de beijo.


O verdadeiro beijo, como aquele que Alexandre O'Neill descreve como 'a força sem fim de duas bocas', fica afundado no meio de tanta forma de beijar que até já se abrevia para... dar menos trabalho.


Eu respeito os 'beijos rubros e ardentes' de Florbela Espanca, eu subscrevo António Aleixo quando afirma que 'o beijo mata o desejo', mas também volto a acreditar em O'Neill quando diz que 'Há palavras que nos beijam como se tivessem boca'.


Eu quero acreditar no beijo enquanto marca de emoção, de sentimentos impossíveis de contornar, de desejo por queimar.


Eu quero ter no beijo, a certeza do presente, para no futuro o passado recordar.


Por isso se lerem, no final das minhas linhas 'um beijo'... é porque realmente o desejo dar!

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

ESBOÇO

Desenho © Alexander Ahilov


Entrou e olhou em redor
discretamente observou cada pormenor
sentou-se no banco
como se dum pedestal se tratasse
aconchegou o robe
como se um frio interior emergisse
da sua pele
nua

Ele entrou sem olhar a nada
sentou-se no banco em frente ao cavalete
desfolhou as páginas
ao encontro duma branca e vazia
em silêncio olhou para ela
nada disse

Deixou o robe descair dos ombros
escorregar pelos braços
cair-lhe das ancas
um ligeiro e incontrolado tremor
fixou-lhe a pose

Ele pegou no carvão
timidamente olhou-a
e desenhou os primeiros traços
como quem não chega a tocar
retraindo o gesto

Um vento de angústia
voou-lhe no peito

Desenhou contornos
como se fossem carícias
tocadas em cada poro da pele
sereno, sem hesitações, seguro
sem apagar
preencheu, pormenorizou, manchou
decidido, concentrado, determinado

Ela sentiu o desenho
entrar dentro de si
deixou-se desfazer no papel

O tempo tornou-se incomensurável
o relógio continuou estaticamente em movimento

Em silêncio nada disse
recuou
contemplou
e não olhou
nada disse

Levantou-se
pegou no robe para se cobrir
... e saiu
como deixasse a cama onde fizera amor com um estranho

 

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

BLOGS


 Pobres de nós os que expomos em blogs, se tivermos a pretensão de ser poetas, críticos, escritores.

 A escrita, mais do que uma profissão, é uma arte. E a arte da escrita é uma vida.

 Alto! Acalmem-se os mais precipitados. É verdade que opinar é uma prerrogativa de cada ser humano; expressar-se é um direito de cada homem ou mulher; sonhar é um privilégio de cada mortal.

 Porém repito: Escrever é uma arte que está para além da profissão. Uma profissão todos, melhor ou não, exercem; a arte é um dom que privilegia apenas alguns. Tal como a escrita, cada profissão tem a sua arte, pelo que a arte de escrever deve ser respeitada para que os que, na verdade, possuem essa qualidade inata, não sejam confundidos na multidão.

 Isto não impede que entre os autores de blogs não existam verdadeiros poetas, críticos, escritores. Há que reconhecer a possibilidade de que entre os autores de blogs se revelem novos poetas, novos críticos, novos escritores.

 A arte da escrita é uma vida. Contudo a necessidade do bloguista é, com algumas excepções, temporária.

 A blogosfera é uma oportunidade, proporcionada pela tecnologia, de que a vontade individual não seja calada, reprimida, censurada. A blogosfera é uma possibilidade de partilhar... por necessidade, por não ter com quem, por inibição de o fazer de outra forma.

 A blogosfera é uma expectativa de que reparem em nós.

 

Venham as críticas!


BOM-DIA

Foto © Fredy Wijaya


Há palavras... expressões que se banalizam no dia a dia. Por cortesia, por boa educação, há cumprimentos que se usam diariamente, mas, muitas vezes, seguramente vazios de conteúdo. Hoje apetece-me não dizer 'bom-dia', mas sim desejar BOM-DIA! Não é um desejo generalizado. Haverá pessoas a quem, em particular, eu desejo desejar BOM-DIA! Aos amigos especialmente; mas a 'eles' em particular [ainda que saiba que não lerão estas palavras].

BOM-DIA!!! [meus amores]

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

QUANDO A NOITE SE VEM DEITAR


Foto © Kurt Kramer

Quando a noite se vem deitar na minha cama
teu corpo prima pela ausência presente
meus sonhos derretem em fantasias
minhas vontades são fogo-de-artifício numa noite de temporal
meu desejo um rio sem desaguar

Quando a noite se vem deitar na minha cama
abraço-a
puxo-a para mim
… e fico abraçado a mim mesmo
porque a noite não tem corpo de mulher

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

MULHER

Foto © Patrick Clark


A mulher quer ser mãe
Faz o que pode, faz o que deve
para sê-lo
A mulher quer ser mãe
e faz o que não pode e o que não deve
para conseguir sê-lo.

A mulher quer ser mãe
E é-o a tempo integral
Faz o que pode, faz o que deve
Faz o que não pode e o que não deve
Mas é mãe
a cem por cento, a duzentos por cento

A mulher quer ser mãe
E é-o!
Inventa
Cumpre
para bem dos seus filhos
para o seu próprio equilíbrio
suga-los
suga-nos

A mulher quer ser mãe
E é-o!

Subitamente, a mulher quer ser mulher
e decide: Basta de ser só mãe! Basta de ser só esposa!

A mulher quer ser mulher
Faz o que pode, faz o que deve
A mulher quer ser mulher
e faz o que não pode e o que não deve
para sê-lo.

A mulher quer ser mulher
E é-o!

… e se o homem lhe toca no ombro
e em segredo lhe diz:
“eu… eu ainda estou aqui…”
A mulher responde:
“NÃO QUERO SER TUA MÃE!”

?!?!?!?!?!?!?!

 

Texto de Um Homem in Experiências de Vida [livro não publicado]


PS. perdoe-se-me a generalização; é verdade que um não é o todo, como também é verdade que no todo há muitas diferenças


sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

ESPERA SEM SOL

Foto © Rosario Puglisi 


Já me esqueci dos dias em que a vida me sorria
em que o sol brilhava com crença
e eu não tinha de esperar

Já me esqueci desses dias que agora
me parecem ter passado depressa demais
sem tempo
tão tépidos… tão plácidos… tão solarengos…
sem espera

Hoje, ainda não consigo esquecer
a chuva incessante que me molha a alma
me alaga a espera

Hoje, as horas são demasiado longas
para os dias não terem tempo
e enquanto espero pelo que não há por que esperar
esqueço-me de sorrir para o sol


QUANDO VOLTAM OS BICHOS DA SEDA?

Juntos desejámos um casulo
que fosse nosso, imaginado e criado por nós
sonhámo-lo, viabilizámo-lo
Juntos construímos um casulo
que habitámos por ser nosso
que preservámos por ser nosso
que enriquecemos por ser nosso
e que polvilhámos com laivos de novas vidas
Fechei-me dentro dele
vivendo para ele
sempre com o objectivo de mantê-lo
de solidificá-lo, de dar-lhe futuro
Um dia saí, mas não consegui abandoná-lo
e sem o ter deixado, voltei
com empenho redobrado
com vontade dupla
com entrega total
pensando sempre em melhorá-lo
em assegurá-lo
em garanti-lo
Hoje que me dispensas
e queres construir outro casulo
sinto-me perdido
sem saber por onde caminhar
sem saber procurar quem me acompanhe

… quando voltam os bichos da seda?


DESAFIO

Em resposta ao desafio de Milouska, aqui deixo a minha 'realidade':

este é o livro; e a frase: "Imaginou as pessoas a dizer: Foi Philip de Gwynedd quem reformou aquele mosteiro"

Vejamos, então, qual o desafio proposto:

1. Agarrar o livro mais próximo;
2. Abri-lo na página 161;
3. Procurar a 5ª frase completa;
4. Publicá-la no meu blog;
5. Passar para cinco pessoas à escolha;

Eis os cinco bloguistas que incito a participar nesta iniciativa:



HOJE EU

Foto © Grant Edwards


O Universo é incomensurável
e eu uma imperceptível partícula
um insignificante e dispensável átomo
… o Mundo não precisa de mim para continuar a girar

Caminho no meio da multidão
e os meus passos perdem-se
ignorados no meio de tantos outros
sem que haja desejo perseguindo o meu trilho

Procuro um olhar onde mergulhar
mas todos estão fechados, vazios,
… são insípidos … ou loucos

Desejo uma mão para agarrar, uns dedos onde tocar
e todos estão fechados, guardados, ocupados
ou são horrendos

Já me senti capaz
de abraçar o mundo
de suportar sobre o meu peito o peso do globo
Hoje sinto-me ínfimo
esmagado pelo peso do planeta
espezinhado pelo caminhar das gentes

Já me senti útil
necessário
Hoje, dispensável, desprezível, ignorado

Desci ao calabouço mais profundo do meu ser
mergulhado na escuridão
molhado por uma humidade solitária
queimado por uma pérfida alma
pisando páginas nauseabundas, traiçoeiras, repugnantes
do meu eu

… sem encontrar o rumo novo que tomar


quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

QUANDO A NOITE CHEGA

Foto © Jean-Philippe Poli


Quando a noite chega

Apagam-se as luzes esperançosas num novo sol

Os corpos despem-se do quotidiano

E ludibriam-se no néon duma fantasia colectiva

 

Quando a noite chega

O mar apazigua-se na areia das horas

O sono adia-se no logro duma sedução simulada

Réstias de desejo banhadas por um luar escondido

 

Quando a noite chega

As crianças refugiam-se em sonos de algodão

Enquanto adultos vestem-se com ingenuidade forjada

Para dissimular frustrações dum dia fracassado

 

Quando a noite chega

Inundam-me insónias marteladas em memórias do passado

Em desejos que ficam por satisfazer

Expectante que o novo dia amanheça diferente

… confiança que se desmorona quando a noite chega.


MONÓLOGO

Foto © Bartek


Tenho medo de os perder
Preciso senti-los por perto

Tenho medo de os perder
Com a mesma ansiedade de quem dá a mão a uma criança para que não se perca na multidão
Com a mesma angústia da ave que transporta os seus filhos debaixo da asa
Com o mesmo instinto da fêmea que protege as crias de qualquer intromissão alheia

Tenho medo de os perder
Não, não os quero controlar
Nem dizer-lhes: vão por ali!
Apenas sabê-los no mesmo espaço
Sentir-lhes o cheiro
Ouvir-lhes o sono

E quando me dizem:
“Mas que medo?!...
Não os irás perder!!!
Só se o quisesses!”
Apenas sei responder:

Tenho medo de os perder…

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

COMO É A TUA VERDADE?

Foto © Leszek Kowalski


Como é a tua verdade?

Não consigo perceber de que cor pintas a tua verdade…

Não consigo entender qual a clareza da tua verdade…

Não consigo sentir a temperatura da tua verdade…

 

De que cor pintas a tua verdade?
Em tons de esverdeado como os dum tronco marcado por séculos de existência, ou de amarelo escarlate como os do mais profundo dos mares?

Qual a clareza da tua verdade?
Será a tua verdade tão opaca que torna invisível o que escondes atrás dela, ou tão densamente transparente que se torna imperceptível?

Que temperatura tem a tua verdade?
Será quente como o sangue dum defunto, ou gélida como a da areia do deserto no pino do dia?

 

Como é a tua verdade?

Para mim… uma pergunta eternizada…


terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

PARADOXO...

Foto ©Phil Williams


Pior do que a cegueira do invisual, é a cegueira de quem não quer ver, nem ouvir a voz da razão.

Pior do que a obstinação de quem não pretende inverter o caminho determinado, será a obsessão do(s) que deseja(m) dar-lhe a entender que o caminho é errado.

A obstinação, a teimosia e a obsessão serão sempre inimigos do bom senso. Como gerir tantos paradoxos?


segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

INVERNO [EM MIM]

Foto © Michal Karcz

A tristeza escreve-se no meu peito
Desenhada em palavras sulcadas de dúvida

... surgem nuvens no céu...


Na minha pele sinto o gume
Da certeza não desejada
O frio congelante da ansiedade

... adensam-se as nuvens no céu...


A dor estilhaça-me o coração
Que teima em não sangrar

... o cinza cobre a mais ínfima área de azul...


Solto lágrimas numa escala em bemol
Sobre as teclas brancas dum piano esquecido

... o cinzento escurece...


Do silêncio brotam vozes mudas
Entoando uma canção de lamento

... o azul vestiu-se de breu
... e não cai uma gota de chuva.

domingo, 1 de fevereiro de 2009

AMAR CANSA...

Foto © Slawomir Szulc

Amar cansa! Amar é um cansaço! Mas que sentido tem a vida se não formos amados?

 

Um agradecimento à amiga que, com a sua última criação artística, me inspirou estas curtas palavras