sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

ESBOÇO

Desenho © Alexander Ahilov


Entrou e olhou em redor
discretamente observou cada pormenor
sentou-se no banco
como se dum pedestal se tratasse
aconchegou o robe
como se um frio interior emergisse
da sua pele
nua

Ele entrou sem olhar a nada
sentou-se no banco em frente ao cavalete
desfolhou as páginas
ao encontro duma branca e vazia
em silêncio olhou para ela
nada disse

Deixou o robe descair dos ombros
escorregar pelos braços
cair-lhe das ancas
um ligeiro e incontrolado tremor
fixou-lhe a pose

Ele pegou no carvão
timidamente olhou-a
e desenhou os primeiros traços
como quem não chega a tocar
retraindo o gesto

Um vento de angústia
voou-lhe no peito

Desenhou contornos
como se fossem carícias
tocadas em cada poro da pele
sereno, sem hesitações, seguro
sem apagar
preencheu, pormenorizou, manchou
decidido, concentrado, determinado

Ela sentiu o desenho
entrar dentro de si
deixou-se desfazer no papel

O tempo tornou-se incomensurável
o relógio continuou estaticamente em movimento

Em silêncio nada disse
recuou
contemplou
e não olhou
nada disse

Levantou-se
pegou no robe para se cobrir
... e saiu
como deixasse a cama onde fizera amor com um estranho

 

3 comentários:

Gisela Rosa disse...

Este seu post fez-me lembrar o desenho de uma Mulher no poema de Jorge Sousa Braga:

Metade mulher metade pássaro
Metade anémona metade névoa

Metade água metade mágoa
Metade silêncio metade búzio

Metade manhã metade fogo
Metade mulher metade sonho


Belo esquisso de carvão e escrita!

mariab disse...

fazer arte do corpo de alguém é certamente como fazer amor. o teu poema dá conta dessa entrega. muito bom.
beijos

Milouska disse...

Boa noite, PAS[Ç]SOS!

Tenho vindo aqui, mas sem tempo para comentar.
Belo esboço, pleno de sensibilidade.
Beijo,

Milouska