domingo, 31 de maio de 2009

IRMÃOS DE TOM

Foto de Stephanie Daniels


Fora uma criança igual a tantas outras. Atenta, desperta para o que a rodeava, alerta para constantes revelações era, porém, extremamente reservado. Evitava evidenciar-se. Provavelmente por timidez, nunca se sentava nas primeiras filas da sala de aula. Ainda que sabendo a resposta, nunca mostrava sabê-lo. Nas fotografias de conjunto tentava sempre esconder-se atrás de alguém. Discretamente procurava, incessantemente, o degrau abaixo dos outros e até a intensidade da sua voz reflectia a sua personalidade.

Por força deste auto-encobrimento aconteceu, muitas vezes, não estar entre os eleitos. Ainda que presente acabara, frequentemente, por não participar. A tristeza revelou-se a marca da sua imagem.

Um dia encontrou alguém tão puro quanto ele. Mas… totalmente oposto a si. Alguém que precisava de acrescentar, constantemente, um pormenor ao que fora dito. De falar um pouco mais alto que os demais. De se puxar para a frente em qualquer alinhamento. De se fazer notar. De se mostrar. Sem poder ser considerado, com rigor, como exibicionista gostava de ter a certeza de que os outros reparavam nele, que o viam, que o ouviam.

Esta veemência acabava por lhe trazer alguns dissabores, pois nem sempre era aceite com tolerância. Embora sempre o tentasse, acabava por participar menos do que os outros. Mas tal nunca foi razão para que esmorecesse.

Terá sido esta oposição de maneiras de ser, em conjugação com a percepção duma mútua ténue rejeição por parte dos outros, que os uniu. Complementavam-se. Equilibravam-se. E sem que abdicassem das suas características, sem que se pudessem substituir, eram parceiros, cúmplices. Sem que qualquer deles dependesse do outro, aprenderam que só poderiam viver onde o outro estivesse.

Foi tão forte a sua união que se tornaram únicos. Nem gémeos são. São o mesmo. E agora, quando um compositor precisa de acentuar meio-tom chama pelo sustenido. Se desejar acentuar a melancolia, chama o bemol. E como resposta vão sempre os dois, bem juntos, sendo um único, mas só toca aquele que foi solicitado porque o outro… o outro está lá no mesmo sítio à espera da sua vez e, em silêncio, a prestar todo o apoio ao irmão de tom.

4 comentários:

© Piedade Araújo Sol (Pity) disse...

acho que entendi muito bem o teu texto, também conheci alguem assim.

só que nunca encontrou a outra metade do tom a misturar na paleta.

o teu texto como sempre está muito bom.

beijo

BlueShell disse...

olha..nunca tinha pensado nas notas do meu piano nesses termos: uma ternura...o sustenido e o bemol! podem fazer tanta diferença...imensa, mas um espera pacientemente a sua vez...e será quando for chamado a ser!

LINDO!

Um abraço de BlueShell...triste concha azul...(no fundo do mar não se ouve o teu piano...)

Charlotte disse...

Parabéns...o teu blogue é muito bom!
Sê bem-vindo no meu!

Alexandra disse...

Muito gostei eu desta Estória de Eucontar!!!