domingo, 21 de junho de 2009

O CAVALEIRO ANDANTE

Foto de Franco Farina


Cavalgara noites sem fim desde que a donzela silenciara o diálogo. Cruzara céus de quatro estações e o seu manto servira-lhe de cobertor e leito. As palavras continuaram a ser seu sustento e às memórias ia recolher o suco que lhe saciava a sede de prazer. O seu cavalo alado estava exausto, mas nunca se recusara a imprimir velocidade para lhe satisfazer a ansiedade de chegar, nem para retroceder na tentativa de reconhecimento de trajectos já percorridos. Atravessara pontes reais, idealizadas, construídas, inventadas. Sobrevoara rios, campos de girassóis, cidades de sol e outras com luminosidade única. Rompera noites, abrira dias e gastara horas e horas, tempo e tempo que não vira correr. Teve quase tudo em quase nada e em quase nada procurou quase tudo. Adormeceu nos areais das praias na esperança de ver uma estrela mergulhar. Afundou-se ele próprio na inocência do olhar duma criança e falou com pessoas a quem não precisou chamar de nada…

Agora estava ali. Parado. Quiçá perdido. Sem saber por onde mais correr. Para onde mais voar. Ali naquela planície onde o sol se encobria atrás de nuvens de saudade. Soprava um vento ameno de memórias e o cavalo repousava à sombra duma árvore com ramos de pensamentos. Olhou as palmas das mãos e tentou descobrir nas suas linhas, mapas que lhe mostrassem o caminho. Leu-as como se tivesse à sua frente um livro de vida. Mas nada encontrou. Nem rota, nem coordenadas, nem orientação, nem bússola, nem pontos cardeais. Apenas um mergulho abíssico no vazio preenchido de nada. O desânimo convidava-o à desistência. Havia, porém, uma força que o impedia. Era como se o obrigassem a fazer luto pelo corpo que não vira morto. E teimava em recusá-lo.

Numa concha de duas mãos colheu uma imensidão de grãos. Procurou o seu, aquele que era ele próprio no areal da confiança. E não se encontrou! Deixou escapar a areia por entre os dedos. Alisou-a e com o indicador marcou um ponto. Como quem desenhasse do fim para o princípio. Acima desse ponto fez subir uma linha que se abriu num círculo que não se fechou. Como um ciclo que não se cumpria. Como uma interrogação sem resposta.

Impaciente não sabia como mais procurar a certeza. Sabia que a sua assinatura continuava válida, mas… um pacto precisa de pelo menos duas. E a outra onde estava? Ter-se-ia esbatido? Apagado? É que não se podiam ver aquelas assinaturas. O pacto fora assinado em silêncio. Sem tinta. E ele não tinha forma de o sentir. E ele não conseguia admitir que o pacto já não existisse… tão forte fora a vontade de o assinar…



3 comentários:

mariab disse...

uma bela estória de um cavaleiro persistente. mas se está deitado no areal da confiança talvez o pacto se mantenha.
bela escrita a tua. em prosa ou poesia, sempre um prazer.
beijos

Tia [Zen] disse...

Gosto muito da forma como escreves... como te confessas...
Nunca desistas de encontrar o teu rumo. Eu também (ainda) ando à procura do meu...
Bjs

Marta disse...

apesar desta música ser belíssima, a banda sonora mais adequada para este belíssimo texto seria esta :)

http://www.youtube.com/watch?v=iuo2I7DIiaU