domingo, 21 de junho de 2009

MAIORCA

Foto de José Alfredo


A cena aberta permite um olhar raso sobre o palco. Quase como se assumíssemos o lugar de Pedro Burmester a olhar aqueles para quem vai tocar. Destroços dum naufrágio parecem flutuar sobre os reflexos de luz que aquecem o linóleo. São painéis e corpos, estes exaustos, que acordam dum repouso forçado pelo desaforo da sorte. Conforme os painéis se personalizam enquanto peças dum puzzle tridimensional, os corpos, numa voz gestual cujo movimento se dimensiona de fora para dentro, vão-se metamorfoseando em diversas existências. O corpo cego que se expressa num movimento falante, o movimento cego que grita um corpo exuberante. O humor também marca presença. E o movimento vai unindo-se na perfeição com o cenário. São perfeitas muitas soluções cénicas idealizadas e concretizadas com mestria. Intercalam-nas momentos coreográficos de sublime poesia como o do corpo masculino que atravessa a cena num registo de esforço quotidiano agonizado por uma tentação diabólica, ou o do corpo iluminado em diálogo uníssono e perfeito, primeiro, com o ser amado ou a certificação da razão, e depois alargando-se ao grupo, aos seguidores, às massas que lhe respeitam as orientações. Mas quando se recorre a Chopin, ainda que respeitando a diferente sensibilidade que possa despertar a cada um, incomoda percepcionar que o movimento crie mais sinergias com as peças cénicas do que com a própria música. Senti como inconveniente que, em alguns momentos, o manuseamento dos elementos cénicos criasse ruídos que se sobrepunham ao piano de Burmester. Apetecia-me que os muitos instantes inspirados se associassem como um todo e não nos deixassem o sabor de corpos isolados flutuando à superfície do oceano. Maiorca é como um poema povoado por inúmeros versos lindíssimos que, agora, precisam ser limados para se conjugarem e resultarem numa ode MAIOR.

Foi sábado à noite, no Olga Cadaval, em Sintra, integrado na edição 2009 do Festival de Música e Dança, que foi apresentada a mais recente criação de Paulo Ribeiro, com Pedro Burmester a interpretar, ao vivo, 24 Prelúdios de Fryderyk Chopin.

2 comentários:

Ana disse...

Depois de ler o teu texto, fiquei ainda com mais pena de não ter ido.
E Sintra aqui tão perto...

Um beijo.

Luísa disse...

O acesso à cultra no seu espaço mais eloquentemente aproveitado...
Sintra, palco de grandes momentos e monumentos culturais, ofereceu-te, um belo momento!
Obrigada pela partilha...bela descrição!
Beijinho terno!