quarta-feira, 14 de outubro de 2009

E SE NÃO HOUVER AMANHÃ?


As planícies esquartejadas em lotes começam a transformar-se. Deixam de ser áreas desérticas ou de cultivo, para começarem a ser povoadas. Por entre elas o avião procura as pistas alcatroadas. Sobrevoa uma estrada coberta por um pó alaranjado. Junto a uma lagoa, as habitações requintam-se no aspecto e nos arbustos com que se delimitam em propriedade. Algumas telhas substituem os tectos de zinco. Finalmente o solo moçambicano.

Ultrapassadas as formalidades fronteiriças, a aventura de quem chega sem ser esperado. Sem ter quem proporcione recepção e os cuidados ansiados por quem, pela primeira vez, chega a um território com marcas reconhecidas, mas que cresce bem longe da civilização a que se está habituado.

Só o alojamento estava planeado para as duas primeiras noites. Tudo o mais lhe era desconhecido. Descobrir, pesquisar era a necessidade que mais espaço lhe ocupava na bagagem. Um duche tornava-se imperioso. O hotel era uma realidade fora de todo o contexto. Uma ilha perdida numa cidade onde alguns bairros tentavam disfarçar a pobreza dum povo que parecia ter sido esquecido pelo desenvolvimento.

Refrescado o físico, renovada a indumentária, havia que resistir ao cansaço. Era preciso chegar com celeridade à Universidade Pedagógica de Maputo. As ruas sucediam-se em pavimentação incompleta, destruída, gasta, abandonada. Alguns edifícios revelavam a traça colonial. A seu lado pequenas habitações viviam na demolição de madeiras e alumínio desarrumados. No virar duma esquina, os arruamentos desapareciam. Aqui e ali, presumíveis jardins assemelhavam-se a desertos destruídos, onde alguns bancos foram esquecidos pelo tempo. Almas solitárias permaneciam estáticas nas horas, à sombra das árvores que delimitavam as estradas, vendo passar o tempo, que na maioria dos dias é mais frequente do que as viaturas ou as pessoas. Algumas ruas mantêm o nome de províncias ou terras lusas.

O responsável pelo Centro de Língua Portuguesa, recebeu-a na singeleza duma biblioteca cujo acervo havia sido responsabilidade do Instituto Camões com o objectivo de assegurar o ensino da língua portuguesa.

- Boa-tarde! Cheguei hoje de Lisboa. Procuro o Dr. Miguel Albergaria. Sei que veio em missão para Moçambique. Em Lisboa não me souberam dar qualquer detalhe mais.

- É verdade! O Dr. Miguel Albergaria dispôs-se a colaborar no ensino do português junto de crianças que vivem em áreas mais iletradas. Partiu há algumas semanas para a zona de Massinga. Não tenho notícias dele há bastante tempo.


Antecedentes

3 comentários:

Tia [Zen] disse...

Haverá paixões assim, que nos façam cruzar continentes numa busca dolorosa de... desencontros...?
Desejo que sim, que haja quem se atreva a viver.

Excelente Pasçsos.

C. disse...

Gostaria que isto fosse uma releitura, e que o original estivesse aqui à mão, trazido de uma qualquer livraria, e eu pudesse folheá-lo, vagarosamente, que é como esta escrita apetece ser lida.

Tia [Zen] disse...

Vês Pasçsos, mais gente a pedir um livro teu...