
Foto © Sonja Valentina
Não sei se por prece, se por obsessão. Talvez como ritual. Todos os dias preparo, à minha frente, espaço que sobra dentro de mim, dia a dia na vontade de deixar de o ser. Um espaço desocupado. Não sei se por loucura, se por fantasia. Talvez por sanidade. Todas as refeições deixo os diálogos cobrirem-se de silêncio. Palavras adivinhadas. Omitidas na emissão do sonhar. Um espaço cansado de não se sentir falado.
Todos os dias, o prato espera vazio para que a comida não arrefeça. O vinho aguarda no copo para ganhar corpo. Todos os dias há um lugar à mesa, como há um lugar em mim. É esse vazio que me enche o peito, que todos os dias se senta na minha mesa. Sem convite. Os vazios não se convidam. Implantam-se. Estendem-se. Ganham espaço. Conquistam terreno. E é para evitá-lo que todos os dias há um lugar, à espera, na minha mesa.
No dia em que esse lugar for ocupado, já o espaço ganhou raízes. Tentáculos que segurarão quem se sentar. Porque a espera criou braços que envolverão quem a quebrar. O manjar apurou. Ganhou o paladar que recusa a partida. O néctar envelheceu e inebriará quem tiver a coragem de fantasiar um regresso nesta chegada desejada.
Todos os dias há um lugar à mesa que se senta na minha frente. Eu olho-o sem que ele me veja. Todos os dias reparto a minha refeição com esse lugar que ocupa mas não é ocupado. Todos os dias vejo na minha frente esse vazio que me inocenta a vida. Todos os dias me levanto da mesa com a esperança de que será amanhã… um lugar à mesa será ocupado dentro de mim.
[Na era digital, também da fotografia, Ampliações são as minhas revelações de algumas sugestivas imagens de SONJA VALENTINA; são ampliações escritas, obviamente pessoais, dos pormenores com vida registados pela fotógrafa]
9 comentários:
As vezes tambem é preciso ganhar raizes em nós mesmos para conseguir-mos perder o medo e ganhar-mos coragem de aceitar que outros se sentem á mesa connosco, a saboriar o banquete do Amor:-)
beijos
E.C.
E quem ocupar esse lugar, será por certo muito feliz, porque nesse espaço há muito para receber.É um desejo mais do que necessário é um direito que todos temos, o de ser feliz.
A espera é vida. O sonho adiado em palavras que se sentem agora.
Que texto tão bonito, tão sentido.
Entre dois momentos há um sopro de alma que nos engrandece, como este!
Um abraço
"As pessoas entram na nossa vida por acaso, mas não é por acaso que elas permanecem. Lilian Tonet"
Espero que sim, que esse espaço seja plenamente preenchido.
Um beijo
PARABÉNS aos dois!
continuam no bom caminho :)
beijinhos
Espero que não estejas à espera nem de Godot, nem de D. Sebastião.
Esse lugar vazio poderá um dia ocupar um lugar dentro do teu coração...não percas a esperança!
Espero que o consigas preencher e partilhar!
Não será o espaço da pulsação?
Uma forma muito bela de descrever esse espaço vazio que um dia irá deixar de o ser.
Temos de deixar ocupar em primeiro lugar em nós, para que depois alguém possa ocupar também em nós esse lugar que está aberto, se continuarmos a ter medo de partilhar esse espaço continuaremos a ver sem sermos vistos com o olhar da alma que vive em nós e também no outro por quem esperamos.
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