
O aroma dum chá no deserto chamou-me, no sábado, àquele espaço onde, hoje, mora um museu de memórias da Manutenção Militar. Ia ao encontro dum encontro de palavras escritas que se reuniam numa publicação. Porventura com algum exagero é habitual chamar-se poesia a todas as palavras que não se escrevam em linhas tocando sucessivamente ambas as margens da área de registo. Mas…
A tarde começou pela recepção informal de quem ia chegando. Simpaticamente, a principal dinamizadora desta reunião de autores de palavras – Dolores Marques -, acolheu-me à entrada e anunciou-me que a única de quem eu conhecia a escrita, estaria para chegar. Alguns momentos depois dava-se luz real à comunicação que tantas vezes por aqui, ou no blog da AnaMar, se tem feito na leitura dos registos deixados. A autora de palavras que frequentemente invado para desfrutar do prazer de ler e imaginar, ganhava voz.
A tarde iniciou-se com uma entusiástica e apaixonada apresentação de imagens, objectos e recordações do historial da Manutenção Militar, pela Drª Lurdes Nunes. Descendo à ‘Padaria Velha’ iniciou-se o arrepiar das emoções. Quinze cidadãos nacionais, com uma declarada heterogeneidade relativamente às proveniências socioprofissionais, vêem reunidos, numa publicação em papel, muitos textos que derramam sentimentos, emoções que cada um terá sido incapaz de guardar dentro de si. Serão poesia? Porque não? Para mim são necessidades que têm de passar a fronteira da pele, que imigram do corpo onde nascem.
É verdade que se pode escrever como exercício. Este tipo de escrita também pode ser um desafio, uma resposta, o cumprimento dum requisito. E mesmo assim o resultado pode ser arrepiante como foi o caso da compilação concebida pela Drª Carmo Machado – a quem foi confiada a responsabilidade de apresentação da obra – que reúne palavras extraídas a textos dos quinze autores. O resultado é, num primeiro embate, inevitavelmente emocionante. Contudo ao passar, em voo cruzado, pelas palavras publicadas neste livro sob o título de Tu Cá, Tu Lá, fico com a certeza de que mais do que a intenção de escrever poesia, cada um dos autores terá sentido a necessidade de expor o seu âmago em palavras. É justamente a premência das palavras que as torna únicas e comovedoras.
E recorrendo a uma imagem que guardei das palavras proferidas por AnaMar - que assumiu a ‘indisciplina’ tantas vezes respirada na sua escrita, despreocupada quanto a regras, mas em que urge a precisão de dizer – quem assim escreve talvez não tenha a pretensão de ser poeta, mas só o de ser um poema para alguém.
Para além do prazer de personificar o rosto de palavras tantas vezes lidas, ficou-me o sabor de perceber que ao haver vontade, quando existe necessidade, o ser humano excede-se tão tranquilamente quanto expondo palavras nas quais se escreve.