domingo, 9 de agosto de 2009

EM CÂMARA LENTA [V]

Foto de Lukas Wozny

Março ia avançado quando naquele dia a frescura da manhã se mascarou de tristeza. A melancolia pegou num vestido de carícias e provou-o. Puxou o fecho de ternura para se compor e, na bolsa, guardou a história de sentimentos. Mesmo distante sentia-lhe aquele fiozinho frio cortar-lhe o peito e, ainda que não houvesse lágrimas, sabia que o dia dela chorava. Tentava segurar-lhe a respiração. Sopros de oxigénio em sinais de presença como suspiros de murmúrios dizendo: "estou aqui!"

Era-lhe impossível perceber a reacção dela. Não a via, não a ouvia... só lhe sentia as palavras. E estas chegavam como escolhidas por entre as mais perfeitas alguma vez escritas. As únicas, uma vez depuradas todas as que poderiam ser lidas. Terá, já só mais tarde, percebido que as palavras que ela lhe deu a ler, naquele dia, poderão ter sido somente lágrimas que ela verteu e teve necessidade de lhe pedir que as guardasse. Quando as recebeu não as entendeu assim...

"Algumas pessoas nunca precisei chamar de nada e sempre foram e serão especiais para mim."

Conforme a noite avançava, a hora da partida aproximava-se. Ele sentia como se houvesse um laço invisível que os ligava, que lhes permitia não se afastarem. Na necessidade de ir, pressentia-lhe o desejo de que a distância se flexibilizasse, distendendo sem quebrar aquele fio de nada, indefinível, indecifrável, mas que sentiam.

E mesmo, mesmo antes de partir, as palavras de Pessoa abriram caminho para aquela revelação. E o mundo sorriu. E aquele voto que entendeu como de confiança - quiçá um grito incapaz de ser contido - desenharam-lhe um sorriso no mundo, um perfume pulverizando o universo. Aquele instante que marca o filme, independentemente de quem sejam os intérpretes. Para viver bem em câmara lenta, mesmo que em ilusão, se o realizador responder pelo nome de... sentimentos que nos provocam sorrisos interiores.

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