domingo, 2 de agosto de 2009

EM CÂMARA LENTA [IV]

Foto de Lukas Wozny


A expectativa tomara corpo como uma esperança que evolui sem perspectivar oxigénio para a vida.

Aos vinte anos há tanto para ver, experimentar, perceber, recolher, que nada é rastreado, tudo toma dimensão de inigualável.

A possibilidade de se concretizar tomou a cor do sonho imprevisto. Proporcionar-se tão cedo foi um encanto incapaz de dimensionar.

Era o terceiro voo. A dimensão da aeronave. A distância a percorrer. A duração do voo. Tudo se revestia de contornos irreais. Como se, subitamente, tivesse entrado pela tela num filme de cujo elenco original não fizera parte. O voo saiu quase na fronteira do dia, mas a noite que se afigurava sem ir ser dormida, não chegou a ser problematizada. Num dos lugares próximos viajava Oswaldo Montenegro, que poucos dias antes actuara em Lisboa. O natural, o normal, o rotineiro parecia vestir-se de preparado especial.

A ceia, a ser servida, era escolhida num menu de papel. Não! a viagem não era em executiva. Há mais de um quarto de século era assim. As bebidas eram servidas em copo de vidro e os talheres ainda não tinham aderido ao plástico. Significativa parte da viagem podia fazer-se de pé. Entre mil conversas o oceano foi cruzado e, quando parecia nada mais poder ser excedido, o avião aterrou no Recife cerca das três da madrugada.

Mas o mais surpreendente viria a ser experimentado quando ao ser aberta a porta do avião, e mesmo antes de descer os primeiros degraus, os trinta e poucos graus equatoriais me humedeceram a pele e um cheiro a terra me invadiu as narinas. Uma sensação nunca antes vivida. Correu-me o mesmo prazer de uma bebida fresca a descer a garganta num momento de sede. E esta sensação de clima que agarra a pele prolongou-se por todos os dias em que pelas cinco da manhã, noutras cidades, o sol rompia as janelas do quarto e o movimento exterior mostrava um país já acordado.

3 comentários:

Tia [Zen] disse...

Que bom recordar coisas boas... ao som desta belíssima música.
Beijo

Anónimo disse...

Fiquei vazia... desta vez não cheguei lá. Que me falta para entender? Voltar a ler? Reli. Angustio pernate uma lição mal estudada. Terei estado desatenta numa aula qualquer? Diz-me tu.

Marta disse...

intenso. e lento. na memória.