terça-feira, 15 de setembro de 2009

CARTA EM SILÊNCIO

Foto de Schnette


Pediste-me, um dia, que repousasse as memórias. Antes quisesses que tapasse o sol. Antes me pedisses para secar o mar ou que abraçasse a lua. Tentei… mas sabia da fragilidade da minha aptidão. O rio corria demasiado forte para serenar, as pontes atravessavam-se no seu curso sem desejarem deixar de serem cruzadas. E as memórias não se calaram.

Sempre que a comporta se abria, as águas voltavam a correr com a impetuosidade de quem não pensa e se expande na necessidade de dizer.

Só quando implantaste o silêncio as memórias se contiveram. Não que se tenham calado ou adormecido. Arrumaram-se num estado de hipnose consciente. Cingindo-se ao estado de viverem sem se sentirem desejadas.

O silêncio assumiu a postura de pontuação final. Algumas vezes de questionamento. O silêncio passou a ser a barreira não transponível. A fronteira não ultrapassável. A montanha que desejava, mas não me permitia escalar. Por respeito. Talvez por receio de não te conseguir espreitar quando atingisse o cume.

Quando ousas quebrar esse silêncio sinto-me capaz de atravessar o oceano, esquecer o frio que nos separa e caminhar num voo rasante sobre todas as memórias que um dia me pediste que fizesse repousar. Mas essas memórias demoram há muito um instante em que se querem rever. Cada palavra tua torna-se um travessão a oferecer-lhes o discurso directo. E elas não ponderam. Irrompem pelos caminhos de silêncio e mostram-se. Mas… de novo surge um ponto que as detém.

Cansadas de não viver, as memórias pediram-me que as fechasse num envelope. Ficarão na esperança de que as tuas palavras as venham buscar. Não porque se ofertam, mas apenas porque as desejas rever e dar-lhes vida.

8 comentários:

C. disse...

Todo o silêncio tem uma linguagem. Por vezes não damos conta dela.

Bonito, o texto. Mesmo

sonja valentina disse...

de que servem memórias fechadas em envelopes (ou onde quer que seja) se não estão serenadas?

é o mesmo que fechar gavetas desarrumadas....

Sonia Schmorantz disse...

É um belo texto, até memórias precisam de um descanso, escondidas num envelope fechado, se nada lhes dá o sinal, o alento da vida
Um abraço

helenabranco.poet@gmail.com disse...

que bem se entende a recusa da memória fechada em envelope, de tanto ser revisitada em nostalgia mas...ser a vida a escrever novos encantamentos é vital para a memória...que se abre se acrescenta...o contrário é silêncio solidão...
Belo o texto como tudo o que o habita...

Marta disse...

dois temas que me dizem sempre muito: silêncio e memória.
e sim, concordo com C.
todo o sil~encio tem uma linguagem.
como se o coração batesse sem som.

gostei :)tanto.tudo.

Gisela Rosa disse...

Gostei muito! Muitas das fronteiras somos nós que construímos....
Um abraço

Tia [Zen] disse...

"Memórias" é isso mesmo... algo que não esquecemos, onde quer que se guarde...

O que conseguimos esquecer não tem nome... pouco importa.

Anónimo disse...

Memórias de ti.