terça-feira, 31 de março de 2009

A VERDADE DAS PALAVRAS

Foto de Jeremy Reed

Hoje, talvez mais do que num dos ontens, convenço-me da banalidade das palavras. Sobretudo das minhas. As palavras são seres que morrem logo que escritas. Não se movem, não respiram, não ouvem, não falam. Só quando as lêem, quem o faz lhes dá vida. Mas não lhes dá a vida com que foram escritas. Dá-lhes a sua vida, a vida do leitor. A qual, por mera casualidade, pode coincidir com a do autor. Se assim acontece, as palavras ganham duas vidas numa só. Nascem com a leitura e ressurgem da escrita. Mas também é verdade que a leitura lhes pode descobrir uma verdade que não foi a da escrita. E essa verdade tanto as pode bajular como as denegrir. Ambas são falsas, ambas são ilusão. Porque a verdade da escrita, a genuína, só o autor pode afirmar. E essa verdade tem de ser respeitada por muito que a leitura nos induza a não a vislumbrar. Nas minhas palavras, que, como tantas outras, já foram repetidamente elogiadas, eu não vejo nenhuma beleza extraordinária. Sempre que as releio, que lhes tento dar a vida com que sei terem sido escritas, apenas lhes consigo ver verdade, sinceridade e transparência. Mesmo naquelas em que outros olhos leram outros significados. As palavras ao serem escritas, antes de ganharem o estatuto de mortas, são seres difíceis de domar. Disputam-se e provocam-nos. Mas eu gosto de jogar com elas. Eu gosto de correr com elas e atrás delas. Sim, pois são tantas as vezes em que escritas as primeiras, as seguintes me fogem muito mais rápidas do que a minha vontade. E quase não tenho tempo para as ler, para as pensar. Tenho de as deixar morrer na folha, para de novo pegar nelas e confirmar se ali as deixo, na expectativa de que alguém lhes dê vida. Porque as palavras possuem essa multiplicidade de significados cuja vida atribuída na escrita morre no papel, podendo renascer com interpretação totalmente oposta no momento da leitura.

3 comentários:

Marta disse...

é uma boa reflexão! mas discordo em alguns pontos.as palavras são como os seres vivos: nascem, crescem, reproduzem-se e morrem...vejamos os acordos ortográficos; os neologismos, os arcaismos e por aí fora...
depois, há a questão da interpretação e não sei se o interpreto bem! mas cada pessoa tira a sua leitura de um texto... quem escreve - digo eu - mistura a vida, os filmes, a arte, com infinitos ingredientes! ou, então, inventa, imagina, cria, sente, enfim... um mundo! a verdade é o que cada um sente! ou a identificação com...este e aquele texto.

O "meu" querido AntónioLoboAntunes diz algo muito engraçado e simples, sobre escrever. aliás diz várias coisas.
deixo esta:
«Eu não escrevia por estar motivado. Escrevia porque tinha de escrever [...] Não sei explicar de onde é que isto vem. Sei lá, deve ser pela mesma razão que a pereira dá peras.»

e diz, ainda, remetendo para o campo das interprtações ou que lhe quisermos chamar

«O livro é escrito por duas pessoas: por mim e pelo leitor.»

há sempre, pelo menos, pelo muito menos, 2 leituras! imagine, quantos leitores não há para um só livro, um só texto, um só poema!


Olhe: o importante é que a ausência já lhe passou :)

mariab disse...

mas nem sempre as palavras são a verdade. falo-te isto e tenho a sensação de estar a repetir uma conversa que já tive com tantas outras pessoas. concordo que quem lê lhes dá significados diferentes, e, sejam elas verdade ou pura ficção, ao partilhá-las, deixam de ser nossas. são eternas as nossas interrogações sobre as palavras.
beijo

sonja valentina disse...

para mim, que não consigo escrever duas linhas de seguida, o que realmente me fascinas nas palavras dos outros é a ambiguidade que transportam, que possibilita tantas e tantas leituras e interpretações, todas tão distintas entre si, dependendo do estado de espirito, do dia, da circunstância em que são lidas... seja com for, obrigada, por partilhar as suas palavras!!!