sexta-feira, 9 de outubro de 2009

AS PALAVRAS ESCRITAS NÃO MORREM!

Foto recolhida aqui

Por razões diversas – umas entendíveis, outras inexplicáveis – não gostei, não consegui, resisti e recusei entrar na escrita de António Lobos Antunes. Há alguns meses atrás, alguém conseguiu fazer-me reconhecer que em frases soltas – apresentando-mas como citações anónimas – havia genialidade. Talvez essa pessoa, hoje, não evitará um sorriso se ler as linhas seguintes.

A entrevista de Sara Belo Luís ao Prémio Nobel português sonhado, mas ainda não concretizado, na edição desta semana da revista Visão, terá sido o texto onde consegui ler mais palavras de António Lobo Antunes, porque terão sido as que melhor compreendi e senti. Em muitas delas consegui penetrar no seu universo, consegui sorrir com o seu humor, consegui transpor para o meu imaginário alguns dos seus pensamentos expostos nesta conversa.

Um primeiro exemplo será a referência às memórias das visitas a casas tristes, habitadas por idosas tristes, decoradas com móveis que carregavam toda a tristeza da habitação e das moradoras. Ao ler as palavras de António Lobo Antunes não consegui viajar no tempo e regressar àquela casa enorme, com um pé alto que faria quatro de mim, com os tais ‘corredores compridos’ e as ‘fotografias de mortos’. São quadros que inevitavelmente ficam dentro de nós.

Mais à frente retive a ideia de que sob a forma de ‘guerra civil constante’, dentro de nós, todas as grandes opções acabam por ser irracionais. São factos vindos de céus desconhecidos que aterrando nas nossas emoções nos fazem escolher. Gostei de ler a sua convicção de que a cultura tem um poder que a politica não possui. O de, realmente, poder fazer as pessoas felizes. É ela, a cultura, que poderá responder ‘às nossas necessidades profundas, às nossas convicções, à nossa necessidade de felicidade.’ Partilho desta teoria pois acredito que é na cultura, no produto criativo cultural que o comum dos cidadãos se revê. É aí que consegue abrir portas para sonhar.

Guardo para o fim uma citação desta entrevista, porque me revi nas palavras de António Lobos Antunes quando refere que passava longas tardes com Ernesto Melo Antunes em que trocavam dez, no máximo quinze frases. Também eu creio que a comunicação é possível num silêncio parco em vocábulos, se os interlocutores se entendem. Depois sorri quando o escritor diz que se dá bem com as pessoas que falando tanto só lhe exigem um sim de vez em quando, permitindo-lhe desligar do que dizem. Finalmente algo que julgo transparecer a convicção de quem sabe que o ocultar não será a forma adequada de vencer o jogo: ‘Mas, depois da doença, aprendi a jogar com as cartas para cima porque, ao pé do nosso fim físico, tudo o resto perde importância.’

A vida mais não é do que saber jogar com as oportunidades que nos caem em sorte. De nada vale escondê-las. Saber utilizá-las será a arte que nos fará diferentes. E vencedores.

4 comentários:

Patti disse...

Claro que a li de fio a pavio, ontem. Mas soube-me a pouco, muito pouco.

Sigo folheando o último livro do João Céu e Silva, "Uma longa Viagem com ALA", acabadinho de sair do forno.
São 3 anos de conversa com o escritor, que se tornou um amigo.

400 e tal páginas que antevejo, perturbantes e ainda vou na 140!
Vá lá fazer as pazes com ele. :)

Boas leituras.

Vera de Vilhena disse...

Também tenho uma enorme dificuldade em penetrar no mundo dos romances de Lobo Antunes. E vivo bem com isso, pois são muitíssimos os livros a ler e o tempo demasiado escasso. No entanto, as crónicas que vai publicando em jornais e revistas e compilando em livro têm um registo muito diferente. E aí encontramos a pessoa real que parece estar presente nesta entrevista que não li. Já leu as crónicas? Vale a pena.

Gi disse...

Já a li e, por acaso, talvez por gostar tanto de o ler e de lhe beber as palavras, achei que ele aqui se repetiu e até utilizou como conversa coisas que escreveu em crónicas nesta mesma Visão.

Gosto dele incondicionalmente, assim como gosto da minha família, de amigos, mesmo não estando sempre em comunhão de pensamentos, palavras, actos e silêncios com eles.

helenabranco.poet@gmail.com disse...

é... também padeci um tempo apreciável de rejeição mas converti-me ùltimamente

nada em princípio é para sempre...até a própria morte.Uns morrem definitivamente outros não!