domingo, 11 de outubro de 2009

ERA UMA VEZ...

Foto de Bogdan Panait



Era uma vez um terreno cuja areia raramente avistava o céu. Este acordava, quase sempre, com uma neblina adormecida pelo repouso. Escondia o brilho daquele astro que demorava em irradiar. Nessas manhãs, o sol parecia uma pequena pérola tentando iluminar aquela área lá em baixo, muito densa. Ainda adormecida.

A vegetação era diversa. Árvores muito altas, outras mais recentes. Algumas curvando-se à nascença, outras renovando pujança nos troncos com marca de muitas histórias. Umas eram um simples tronco cuja robustez se apreciava no seu diâmetro. De outras saíam ramos que se desmultiplicavam noutros mais. Umas caíam depois de muito crescer. Outras disparavam mal nasciam.

As folhas destes arvoredos tomavam as mais diversas colorações. Multicolores quando exprimiam alegrias. Monocromáticas quando a preocupação se adensava. Cada árvore tomava a sua cor. Cada árvore reflectia brilhos diferentes.

Em certos momentos as ramagens tocavam-se, cruzavam-se, emaranhavam-se. Era difícil separá-las, discerni-las, individualizá-las. Noutras ocasiões parecia que o fogo passara por ali devastando, queimando, arrancando pela raiz, deixando apenas cinzas ao sabor do vento. Noutras circunstâncias ainda, a vegetação parecia nunca ter existido. Pura ilusão pois nunca uma mata se transforma num deserto…

Nesta floresta existia um casebre por onde passavam algumas destas árvores. De dentro desse espaço era habitual chegar um ruído semelhante a uma máquina de serrar. Perto dessa zona corria um curso de secreções que tanto poderiam ser lágrimas, quanto seiva. Algumas das árvores nunca por lá passavam. Estas cresciam fortes em direcção ao céu. Vigorosas, coloridas, inebriantes.

Nunca se descobriu nenhum registo histórico sobre este espaço, sobre estas árvores. Consta que existirão outros espaços assim. Alguns mais revelados, outros totalmente desconhecidos. Nalguns terá sido possível penetrar, noutros inúmeras tentativas ter-se-ão revelado infrutíferas. Sabe-se que no presente o ‘era uma vez’ continua a fazer sentido. Há quem diga que àquele casebre se chama razão e que tenta reger o bosque dos pensamentos.

5 comentários:

Maria Clarinda disse...

DIVINAL!!!!!
Adorei...o bosque dos pensamentos, e o seu casebre.
Jinhos muitos

Gi disse...

Que a minha razão não tenha nunca uma máquina que me serre os pensamentos. Nunca!

Carla disse...

Envolvi-me neste bosque de pensamentos e deixei correr os meus, sem medo de serras...apenas pelo prazer de os ter
beijos e boa semana

Tia [Zen] disse...

Era uma vez... um capuchinho vermelho que corria numa dessas florestas à procura de um casebre cuja porta se abrisse para se proteger do lobo mau...
Era uma vez...

Que texto belíssimo PasÇsos... que diz tanto mas ainda não diz tudo.
Um beijo

Luz disse...

Excelente reflexão do imenso universo do nosso pensamento, reflexão esta que não seria possível sem a chamada razão.
A beleza deste bosque é de uma extrema sensibilidade, afinal razão também caminha com coração/emoção, ainda que muitos não queiram aceitar esta relação, mas é no equilíbrio que nos mantemos, mesmo que em certos momentos um dos pratos da balança possa tender mais para um lado, seja ele qual for, depende sempre da situação.
A maior radicalidade é o equilíbrio, como tal há que saber manter razão e coração/emoção. Não é fácil, mas se tivermos o discernimento suficiente conseguimos lá chegar.