quinta-feira, 23 de julho de 2009

LEITE DERRAMADO

imagem à solta na net


Da minha leitura de Budapeste lembro, especialmente, o ritmo alucinante de escrita que obrigava a uma leitura sem fôlego, que exigia uma atenção redobrada como quem pretende guardar todos os pormenores das viaturas que cruzam uma auto-estrada a alta velocidade.

Esta imagem marcou-me de tal forma que ao pegar em Leite derramado, o mais recente romance de Chico Buarque, angariei resistência e preparei-me para uma leitura duma nova escrita a alta velocidade.

Conforme fui entrando no quarto onde o moribundo vai narrando parte da história da sua vida, fui-me apercebendo que o ritmo esperado não existe antes é substituído por uma impressionante capacidade imaginativa de encarnar o final de vida dum idoso decadente. No princípio chego a questionar-me se teria sido distracção minha a sensação de já ter lido a descrição sobre o momento de atracção por Matilde. E feito néscia considero ‘Ups! Há por aqui gralha…’ E só como terceira hipótese percebo que poderá ser o declínio das capacidades psíquicas do narrador a provocar o ‘erro’.

E com o desenrolar das páginas chega a tornar-se incómoda a forma tão factual como Chico Buarque encarna, nas suas palavras, a demência dum velho que gasta o seu tempo entre o recordar e o relatar dum amontoado de memórias, ora desarrumadas no tempo, ora na realidade do contador.

Nos últimos parágrafos arrepiei-me com a lembrança de visita ao seu tetravô, que assumi tanto poder ser uma recordação real, quanto o ver-se a si próprio ao espelho, nos últimos momentos, nos derradeiros suspiros, nas palavras finais duma história.

Leite derramado não confirma a qualidade de escrita descoberta em Budapeste, antes a potencia com a revelação de novas ferramentas dum senhor que não sabe só cantar, nem só escrever letras de canções, nem só derreter corações femininos, nem só jogar futebol… Chico Buarque consagra o que já era sabido: É um grande Senhor também na literatura!

2 comentários:

Alexandra disse...

Não conhecia! Parece muito interessante. Obrigado pela partilha.

Gi disse...

Tenho 3 livros de Chico Buarque na minha estante ( para irem de férias comigo ... são tantos os livros que quero levar comigo, ufa!): Estorvo, Budapeste e Leite Derramado.
Este último comecei a lê-lo ainda na Livraria e gostei logo.