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Somos convidados a ouvir um recado dirigido a todos. As memórias de respostas sempre questionáveis duma experiência de vida que um dia chegará a qualquer um de nós. Ainda que as características possam variar, o conteúdo será sempre similar. As verdades irrefutáveis do adiamento em aceitar a partida definitiva. As mentiras que nos contamos para escamotear a realidade que está ao alcance das mãos. A eterna esperança de podermos manipular o passado se o futuro nos revelar as razões do ontem. O futuro que nunca planeámos, porque o amor faz-se de vida.
Um texto verdadeiro, particularmente bonito, escrito por Joan Didion, que Diogo Infante doou à magnitude artística e humana de Eunice Muñoz. Uma sucessão de parágrafos na voz de uma mulher que, tal como Judite de Sousa referiu no programa ‘Grande Entrevista’ do último dia 19, parece não ter idade. A mulher Eunice Muñoz demonstra ao longo de setenta minutos a tenacidade duma personalidade que, mesmo nos momentos menos moldáveis, assume a vida como algo que se controla. A actriz Eunice Muñoz demonstra porque é, e será, uma Senhora do teatro português. Cada pose, cada intenção, cada gesto, cada expressão estão minuciosamente estudados, escolhidos e trabalhados para que nós, os que nos sentamos a apreciá-la, sejamos induzidos a crer estarmos a ouvir a própria Joan Didion, e não a actriz.
Os parágrafos da história que corre nas veias de Joan Didion são acompanhadas por um jogo sublime de beleza, estabelecido entre peças abstractas dum cenário de Catarina Amaro, e diferentes níveis de abertura da cortina negra. A prova, mais uma vez, de que a simplicidade resulta quando a arte é clara e permite respirar, através dela, as sensibilidades de quem se senta numa plateia para ser surpreendido pela magia dos dotados. Referência ainda para a música original de João Gil. Tão só um pormenor mais de bom gosto que completa, tal como o apontamento final de vídeo realizado por Pedro Macedo, o encanto duma noite a desfrutar prazer.
O ano do pensamento mágico está em cena no Teatro Nacional D. Maria II, em Lisboa, até ao dia 20 de Dezembro. Entre 7 e 31 de Janeiro subirá ao palco do Teatro Nacional S. João, no Porto.
Numa primeira abordagem à sinopse ou críticas sobre O ano do pensamento mágico, poder-se-á criar a convicção de se ir assistir a um trabalho dramático, comovente, dorido. Não foi, para mim, essa a realidade. Acolhi-o como uma demonstração de como a vida pode ser valiosa se o amor a habitar. Pois mesmo quando ela nos obriga a resumir os que amamos a uma moldura, situada no lugar nobre da secretária… dir-lhes-emos repetidamente ‘amo-te mais do que apenas mais um dia!'