quarta-feira, 18 de novembro de 2009

A SUSPENSÃO DOS PASSOS

Foto de Benoit Michelot


Sentada em frente ao estirador sentia-se capaz de contemplar o Universo. Aquele era o reino da sua segurança. A aridez de intenções que lhe desertificava a rotina do dia-a-dia, ali tornava-se mar, oceano imenso, profundo, incomensurável. Transfigurava-se em frente àquela prancheta. As ideias transformavam-se fauna sucedânea em ciclos reprodutivos.

Nas suas mãos, o carvão riscava com a liberdade dos pensamentos soprados por ventos de inspiração. Os esquiços tomavam forma esbatendo-se, alongando-se, desfigurando-se em traços, em contornos e, de novo, em figuras. Em frente àquele estirador não tinha incertezas. Sentia-se suficientemente distante das águas paradas em que mergulhava ao sair para a rua e entregar-se ao anonimato da multidão.

Ainda que ali se realizasse… Mesmo que ali se reconhecesse… Só no horário profissional ali se entregava. Recusava-se ignorar que lá fora, também uma fracção do mundo lhe pertencia. Por método, por rotina ou talvez por crença que um dia chegaria, em que consigo se cruzaria uma história diferente. Uma chuva diluviana que se entranharia pelas fendas abertas no deserto da espera.


3 comentários:

Anónimo disse...

A vida dentro de um cubo. É o meu tíulo para o teu poema. É o meu toque de sentimento, porque não quero que me expliques nada ;)

Sonia Schmorantz disse...

Vestimo-nos de trabalho, e não percebemos que há vida fora dele, muitas vezes!
Um abraço

elsafer disse...

momentos da vida que se cruzam no pensamento