segunda-feira, 13 de julho de 2009

EM CÂMARA LENTA [I]

Foto de Lukas Wozny

Quando me entregaram o saco de plástico preto senti que a minha participação activa terminava ali. Era como se aquele saco de plástico preto fosse o cartão de inaptidão para intervir naquele final, como se me fosse reconhecida incapacidade para o ‘arrancar’ até à meta.

Começavam ali, longas horas de espera, de ansiedade, de dúvida, de receio de deficiência de informação. A noite acabou por saltar o obstáculo do dia e entrar na madrugada. De quatro em quatro horas a informação era a mesma e nada se alterava. O movimento repetia-se entravam juntos, procediam à inscrição, ele ficava a aguardar, chamavam-no, ele entrava e passada uma fracção de hora, saía com um sorriso de orelha a orelha; ‘Já está!’ Foi assim, repetidamente, ao longo da noite, da madrugada, da…
as conversas esgotavam-se e só o disparate cruzava o calor da noite por forma a manter-nos acordados e tentando gelar o nervoso que se acumulava.

A madrugada acabou por dar lugar à manhã e as notícias chegavam, de quatro em quatro horas, sempre iguais. Aproximadamente dezasseis [sim 16!!!] horas depois… implicitamente chamaram-me. Mas, antecipadamente, eu assumira a minha incapacidade de fazer mais do que já fizera até ali. E a F entrou no meu lugar. Afinal fora por isso que a F ali ficara toda a noite, toda a madrugada, toda a manhã à espera de que… me chamassem. Fora em nome da amizade que a F deixara a sua família em casa para ali estar e substituir-me no momento em que eu assumiria a minha incapacidade de participar no momento final. A F entrou mas pouco tempo depois saiu com o recado: ‘És tu que tens de entrar!’ E eu entrei. Sem saber porquê… sem saber para quê. E lá fui à procura do meu destino. Encolhido na minha incapacidade para agir no que fosse. Diminuído na minha aptidão para apoiar no que fosse. Reduzido à minha certeza de que só iria ‘complicar’ por não me sentir preparado para aquele momento.

A espera seguinte talvez tenha durado uma hora. Não sei… não sabia nada, nem de nada, como poderia saber o tempo que passou. Fui arrastado pelo desenvolvimento dos acontecimentos, de espaço em espaço, de acto em acto. Até que… se deu o momento. E aconteceu! E eu estava ali… afinal. E era vasta a equipa que testemunhava aquele momento. E eu nem chorei, nem desmaiei, nem gritei… estive ali. E quando me ordenaram que cortasse o cordão umbilical, fi-lo sem sequer perceber a importância daquele acto. Eu que me sentira incapaz de participar… não participei. Mas… fui eu que a obriguei a viver. Fui eu que, sem palavras, lhe terei dito ‘Vai! Vai à tua vida! Faz por respirar sozinha, por te alimentares por ti! Solta-te e vive!’ Fui eu que, com aquele corte, pus termo a nove meses de gestação que uniram a mãe e o seu rebento. E não, não participei no seu percurso do interior materno até à luz da vida. Mas fui eu que num golpe, lhe cortei a sua sustentação e a empurrei para a vida!

8 comentários:

Alexandra disse...

... até me arrepiei!

Nunca tinha lido nem ouvido a impressão emocional da 'outra parte' neste acto e... tenho que reconhecer que terei ficado bastante ilucidada.

Não são necessárias palavras, mas tão só actos.Um só basta! E quando esse é practicados pela pessoa certa, tem seguramente, muito mais valor!!!

Um abraço!

Charlotte disse...

E que grande contribuição!
Um empurrão para a vida...emocionante e puro!

elsafer disse...

momentos de verdade... de vida , da verdadeira razão ..

Tia [Zen] disse...

Isso é ser PAI...
De certeza que também estiveste lá nos primeiros pasÇsos...

Curioso, também nunca tinha ouvido o testemunho de um Pai.
Um beijo

Gi disse...

Fantástico! Logo nas tuas primeiras linhas apercebi-me que estarias a falar do parto de um filho teu.

Os meus foram tão diferentes e cómicos no que à presença do pai diz respeito. :D

C. disse...

Liiiinnndooo!!!!

Em qualquer momento da vida o gesto mais bonito é mesmo esse de dizer: vá, vai à tua vida, que és capaz. A segurança que isso dá!

Abraço comovido.

sonja valentina disse...

p a r a b é n s!!!

Marta disse...

Belíssimo momento, Passos!

TANTO TUDO ÍSSIMO

Parabéns!