quarta-feira, 15 de abril de 2009

ÚLTIMO COMBOIO [sem destino nenhum]


Ao final da tarde sentava-se na borda da plataforma inactiva e parecia ficar a olhar para o infinito… para o destino indefinido que os carris indicavam. Faria cálculos… contaria as travessas de madeira, multiplicá-las-ia pela distância que as separava e perspectivaria quantos quilómetros distariam do fim da linha… final inexistente? Imaginava estações intermediárias, destinos desconhecidos, caminhos para lado nenhum… inventados… imaginados… idealizados… locais onde se parasse para ficar… ou para conhecer e partir até ao próximo.

Ao final da tarde sentava-se na borda da plataforma inactiva e viajava. De permeio escrevia… anotaria rotas?... redigiria notas?... esperava… mergulhando num percurso só por si conhecido e, em segredo, transmitido ao caderno com capa de papel pardo que poisava sobre os joelhos como uma toalha onde se disporão os pratos com quem se repartirão momentos a recordar.

Ali ficava na beira da plataforma inactiva à espera do nada. Os comboios chegavam, pessoas saíam, entravam e os comboios partiam… aparentemente sem aguardar o que quer que fosse… permanecia à espera de… talvez que o tempo se dissolvesse…

A cada dia, quando o último comboio partia, olhava-o até que se perdesse no infinito, a caminho de destino nenhum… e só ao ter a certeza que já não pararia, que não regressaria, escrevia as últimas palavras… se levantava, fechava o caderno, tapava a caneta, guardava-os e caminhava de olhos no chão. Quem sabe se repetindo cálculos? Quem sabe se a tentar perceber a que distância estaria o comboio desse destino desconhecido?

Um dia chegou e não se sentou. Dirigiu-se à bilheteira e pediu uma viagem de ida, no último comboio, para destino nenhum… ouviu, como resposta, que essa não era nenhuma das estações do itinerário do último comboio. Pediu, então, um bilhete até ao local onde, todos os dias, o último comboio chegava e de onde, todos os dias, regressava. Sem identificarem a derradeira paragem, venderam-lhe uma ida. Pagou o bilhete e, nesse dia, caminhou até uma plataforma diferente, aquela onde eram deixados e recolhidos passageiros transportados pelo último comboio. Olhou para o funcionário que, com a bandeira vermelha nas mãos, dava o sinal de partida a cada comboio, andou até ele e disse-lhe: “Se algum dia o último comboio, depois de iniciar marcha se detiver e dele sair alguém que regresse aqui, por favor, entregue isto a esse alguém!”, e estendeu-lhe o caderno com capa de papel pardo. Boquiaberto, o homem pôs a bandeira vermelha debaixo do braço e pegou no caderno, sem tempo para pronunciar uma palavra… o último comboio acabara de chegar e só haveria tempo para ‘mudar’ de passageiros… trocou a bandeira pelo caderno e o caderno pela bandeira… uns instantes depois erguia o braço com a bandeira e quando o baixou nem olhou para o comboio, mas para o caderno que lhe havia sido entregue… tirando-o de debaixo do braço. Incrédulo parou no tempo e ao olhar para os carris já o comboio os abandonara com destino… voltou a olhar o caderno… abriu-o e viu textos, letras, citações, viagens, pensamentos, emoções, sentimentos, revelações e… a concluir cada um dos dias, sempre as mesmas palavras: “… antes de adormecer vou dizer baixinho: Boa-noite.....!”

[Na era digital, também da fotografia, Ampliações são as minhas revelações de algumas sugestivas imagens de SONJA VALENTINA; são ampliações escritas, obviamente pessoais, dos pormenores com vida registados pela fotógrafa]


3 comentários:

Marta disse...

Chegava ser uma estória com comboios para eu a ler de um sorvo! Com os pulmões todos!
Mas tem mais muito mais. Muitas emoções.
Tem, até, uma imagem da Sonja :) Tão, mas tão inspiradora! Perfeita, esta estória! Parabéns.

sonja valentina disse...

emocionante estória, que embora sem destino nenhum nos leva tão longe... porque sim.
obrigada!!!

Paulo POTT disse...

Olá!
Vim aqui cair por acidente.
Gostei imenso da história.
Identifico-me com esta forma de imaginar.
Parabens

Pott
filosofiadepott.blogspot@gmail.com