segunda-feira, 13 de abril de 2009

QUANDO CHEGA O 'JOÃO PESTANA'

Foto de CathS

Era uma vez um marinheiro que passou a maior parte da sua vida no mar. Terá conhecido mais portos do que os dias parados na sua terra. Foram intermináveis os locais onde atracou entre praias, ilhas, baías, alguns deles periodicamente, outros espaçadamente repetidos. Talvez por força destes regressos, uns programados, outros esperados, outros ainda imprevistos, o marinheiro tinha o hábito de, em cada partida, levar consigo sementes, raízes ou troncos que plantava nesses lugares onde o seu barco atracava. Semeava-os para mais tarde perceber como evoluíam. Eram marcas suas que deixava plantadas pelo mundo. Pedaços de si que reapreciava a cada regresso. E por isso, no momento de retorno experimentou surpresas, confirmou crescimentos normais, teve desilusões. Algumas árvores cresciam mais do que esperava, outras não se haviam desenvolvido, algumas mesmo sucumbiram à sua ausência. Em cada porto, em cada ilha, em cada enseada, em cada praia, o marinheiro recolheu diferentes emoções que levava para a embarcação ao encontro da paragem seguinte, na expectativa de perceber que outra sensação lhe iria ser proporcionada.

Um dia, num certo porto, que visitava pela primeira vez, o marinheiro plantou um tronco duma árvore ainda muito jovem. Nesse dia o sol estava meio escondido atrás das nuvens e fazia um pouco de frio. Mal o marinheiro terminou de segurar o tronco à terra, as nuvens desapareceram e o sol amenizou a manhã. No dia seguinte, ainda antes da embarcação zarpar, o marinheiro não queria acreditar no que acontecera; o tronco plantado no dia anterior já dera folhas e algumas flores já despontavam nos ramos que se multiplicavam. O Inverno chegava ao fim, mas a Primavera ainda se faria esperar por mais uns dias. Como era possível assim ter acontecido? Não podia! Não podia ser verdade! Aproveitando o pouco tempo que faltava para a partida, o marinheiro foi confirmar se o tronco era o que tinha plantado no dia anterior… e, sem dúvida, era o seu tronco… com ramos… com folhas… com flores… mas era o seu ramo. Regressou ao barco, porém os seus pensamentos não se afastavam daquela verdade que não podia ser real. Ao longo da viagem, os seus camaradas de bordo tiveram de o chamar por diversas vezes para as suas tarefas. Estava ausente. A sua cabeça prendera-se àquele tronco que, em tão pouco tempo, se desenvolvera como se tivesse passado uma estação inteira; como se a Primavera já tivesse passado por aquela árvore a que dera vida, apenas, na véspera. A viagem teve de continuar, parou noutros locais, semeou outras árvores, mas os seus pensamentos regressavam sempre, teimosamente, àquela outra árvore. Quanto mais tentava evitar lembrar, mais impossível se tornava esquecer. Sem que nada pudesse fazer para o contrariar ficou impaciente pelo regresso, para verificar, para reconfirmar, para ter certeza de que não se tinha enganado, que não estava a sonhar. 

Acabou por voltar e a sua ansiedade não lhe permitiu esperar pelo final das manobras de ancoragem, saltou do barco, correu pelo areal e, quando chegou perto da árvore, não cabia em si de felicidade, mas teve de se sentar no chão para olhar surpreendido o seu tronco. Os ramos, as folhas, as flores estavam rigorosamente iguais àquela manhã seguinte ao dia de plantação. O marinheiro enfiou as mãos na cabeça, enterrou os dedos nos cabelos e abanou-a como se se esforçasse por não admitir o que os seus olhos viam. Sentiu uma mão no seu ombro direito e, relutante, olhou para aquele vulto que se intrometia entre o sol e o seu olhar. Era um velho, ou assim parecia, pelas longas barbas brancas e pelas rugas desenhadas na pele do rosto. Contudo o seu olhar tinha uma energia própria de quem acabava de abraçar a vida, mas a certeza de quem já passara centenas de anos por ela.

- Em que não acreditas, meu bom homem?, perguntou-lhe o velho.
O marinheiro explicou-lhe o que se passara desde que plantara aquele tronco. No final, como que pensando em voz alta, perguntou:
- O que poderá ter acontecido?
Pausadamente, o velho disse:
- Tê-lo-ás feito com mais convicção do que noutras ocasiões!
- Não! Não pode ser! Em qualquer lugar eu semeio com a mesma intenção. A minha vontade é apenas plantar, independentemente do local onde o estou a fazer.
- Admito!, respondeu o velho. Mas sem que tenhas consciência o teu coração nesse dia acreditou mais e, por essa razão ou simples coincidência, esta árvore também acreditou em ti.
- Não! Não pode ser! Tudo isso são razões irreais de mais para explicar esta realidade. Não pode ser!, repetia o marinheiro abanando a cabeça, recusando aceitar a evidência dos ramos, das folhas e das flores do seu tronco.
Com toda a serenidade, segurança e sabedoria dos anos, o velho voltou a dirigir-se ao marinheiro:
- Há coisas que o coração não sabe explicar, mas que só são possíveis de explicar pela vontade do coração. E por muito que o contrariemos, que o tentemos calar, a sua vontade é invencível. Mesmo que tentemos que esqueça, ele não o faz! E a sua verdade acabará por perdurar até que ele próprio encontre uma razão para arrumar essas memórias na gaveta dos seus segredos! Por isso, mesmo que não percebas, se queres ficar em paz contigo próprio, aceita a explicação que ele te dá! Só a sua vontade te poderá explicar o que de outra forma não tens capacidade de perceber!

1 comentário:

Marta disse...

«Mas sem que tenhas consciência o teu coração nesse dia acreditou mais...»

Gostei da estória toda. Mas especialmente desta explicação.É que há dias em que o coração acredita, sem nos pedir licença! :)