terça-feira, 21 de abril de 2009

NOVEMBRO EM PARIS

Foto de David Rodrigues

O Sena corria com a mesma serenidade. Nas suas margens os troncos despiam-se, mantendo, alguns, uma camada de folhagem dourada escarlate, contrastando com o céu cinzento que ameaçava abrir-se a qualquer instante. Um vento frio beijava as pedras monumentais que vestem a cidade, agora em tons de bronze. Os dourados iluminavam o interior dos edifícios. A humidade espelhava as esplanadas e molhava o verde das zonas relvadas. Os parapluies decoravam os passeios onde os eternos enamorados se resguardavam da água projectada pelos automóveis subindo e descendo avenidas.

Sobre as folhas que atapetavam os corredores das Tuileries seus passos dirigiam-se sem destino. Imaginavam os sons de acordeão e uma valsa corrida a dois. A brisa passava pelo rosto e gelava as zonas mais sensíveis. O pisar desinteressado das folhas era prazer enlevado como se as nuvens tivessem descido e desabrigado o céu. Os pensamentos divagavam entre um passado longínquo, apenas conhecido pela história, um presente real com braços de desejo para abraçar um futuro intemporal.

Ao longo dos quais o fascínio da juventude caminhava em passadas curtas, nervosas e incrédulas perante o que os olhos testemunhavam. As páginas amarelecidas pelo tempo, repousando nas bancadas dos alfarrabistas, enchiam-lhe os sonhos. A corrente fria parecia desafiá-la a acompanhá-la sob as pontes que ligavam as duas margens. E não havia como não percorrê-las duas vezes para certificar que nenhum pormenor ficaria por apreciar. A sua vontade de cantar misturava-se com a de gritar versos que declarassem o prazer de se sentir terrena naquele final de tarde.

Em Novembro, a noite chegava mais cedo para abraçar o dia. A temperatura convidava ao recolhimento. A luminosidade passava a ser ditada exclusivamente pela claridade artificial que servia também para lhe justificar o nome de ‘cidade-luz’. Afastados e incógnitos no tempo os passos dos dois seres seguiam direcções diferentes. As memórias cruzar-se-iam, um dia, em lembranças dum passeio ao final da tarde com as dum instrumentista junto ao Sena. Havia sido Outono.

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