Eduardo era um jovem mestiço cuja tez carregava um tom dourado de sol e mar. A infância e adolescência havia-as repartido entre as brincadeiras que raramente haviam conhecido pés calçados, com a descoberta dos segredos das areias, das rochas, das ondas e da fauna desse oceano que se pinta diariamente dum azul transparente e tépido. As roupas gastas, que vestia nas curtas horas em que passava pela escola, despia-as ao pisar o areal, acompanhado de Anildo, Adilson e Alex, antes de mergulharem, munidos de lanças manufacturadas pela curiosidade, em perseguição do jantar que levavam para casa. Do que nunca se despedia era daquele riso de dentes imaculadamente brancos que forçavam o sorriso espontâneo de quem com ele se cruzasse. Já adulto, Eduardo estabeleceu com o mar um acordo que lhe permitia subsistir através de tesouros que diariamente lhe roubava. Todas as manhãs, Eduardo percorria o areal, paralelamente àquelas águas onduladas pelo vento que soprava ininterrupto, até chegar ao local quase inóspito onde entrava no oceano para iniciar a sua colheita.
Bem perto desse local, onde Eduardo mergulhava, existia uma habitação modesta com uma única janela virada para o mar. Rosângela tinha um olhar esverdeado a iluminar o seu rosto negro trespassado pela linhagem europeia dos seus antepassados. Era a única habitante daquelas quatro paredes desde que há uns anos sua mãe sucumbira a uma doença a que os curandeiros se haviam mostrado incapazes de opor. Rosângela fabricava, com as suas mãos, pequenas peças de arte que os turistas compravam em Santa Maria. Todos os dias ela via, em silêncio e através da sua janela, a chegada de Eduardo, antes de se por a caminho do mercado pela estrada árida onde só o sol e a sede lhe faziam companhia. Todos os dias regressava a tempo de testemunhar o retorno de Eduardo, ao final da tarde, carregado, ou não, com as dádivas que o mar lhe permitira furtar.
Eduardo, diariamente, passava pela aquela casa sentindo que havia vida dentro dela; pressentido que essa vida o observava, mas incapaz de a olhar. Sentia-se e sabia-se espreitado, mas a determinação dos seus passos sobre a areia branca deixava pegadas de certeza apagadas pelas ondas e repetida e infinitamente delineadas em cada percurso. Rosângela preenchia, secreta e diariamente, um calendário desenhado de esperança e desencanto… de manhã um sol… ao final da tarde, uma lua…
Um dia, Eduardo, saiu do mar e sentiu-se menos forte. Uma ligeira tontura fragilizara-lhe os passos determinados; uma transpiração fria desceu-lhe o rosto e os lábios secaram-lhe mais do que habitual. O mar perdera a nitidez costumeira e a habitação, cuja presença diariamente pressentira, era, hoje que a olhava, uma massa desfocada que tentava segurar em demanda duma limpidez de que precisava para lhe assegurar a força do regresso. Rosângela sentiu o olhar tremer ao pressentir o esvaecimento daquele homem que diariamente caminhava em passadas decididas sulcando um rasto na areia molhada. Eduardo conseguiu ânimo para deixar a carga pela areia, caminhar até àquela porta que, só hoje reparou, estar aberta e pedir um pouco de água para beber…
... numa mão tímida Rosângela trazia um copo de água fresca e no coração, enquanto o sol beijava o horizonte no mar, a esperança de naquele dia, não ter de desenhar uma lua…
5 comentários:
Lindo e mpolgante ete teu texto...parabéns, foi bom começar o dia lendo-te!
Jinhos
...aquele homem que diariamente caminhava em passadas decididas sulcando um rasto na areia molhada...
lindíssimo!
um história de vida(s) repleta de simplicidade, sentimentos e emoções, como ela própria deve ser.
Bela e emocionante esta história.
Um beijo,
Milouska
um caminho emocionante!
vidas!
vida, a correr. que parar é morrer!
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