terça-feira, 31 de março de 2009

A VERDADE DAS PALAVRAS

Foto de Jeremy Reed

Hoje, talvez mais do que num dos ontens, convenço-me da banalidade das palavras. Sobretudo das minhas. As palavras são seres que morrem logo que escritas. Não se movem, não respiram, não ouvem, não falam. Só quando as lêem, quem o faz lhes dá vida. Mas não lhes dá a vida com que foram escritas. Dá-lhes a sua vida, a vida do leitor. A qual, por mera casualidade, pode coincidir com a do autor. Se assim acontece, as palavras ganham duas vidas numa só. Nascem com a leitura e ressurgem da escrita. Mas também é verdade que a leitura lhes pode descobrir uma verdade que não foi a da escrita. E essa verdade tanto as pode bajular como as denegrir. Ambas são falsas, ambas são ilusão. Porque a verdade da escrita, a genuína, só o autor pode afirmar. E essa verdade tem de ser respeitada por muito que a leitura nos induza a não a vislumbrar. Nas minhas palavras, que, como tantas outras, já foram repetidamente elogiadas, eu não vejo nenhuma beleza extraordinária. Sempre que as releio, que lhes tento dar a vida com que sei terem sido escritas, apenas lhes consigo ver verdade, sinceridade e transparência. Mesmo naquelas em que outros olhos leram outros significados. As palavras ao serem escritas, antes de ganharem o estatuto de mortas, são seres difíceis de domar. Disputam-se e provocam-nos. Mas eu gosto de jogar com elas. Eu gosto de correr com elas e atrás delas. Sim, pois são tantas as vezes em que escritas as primeiras, as seguintes me fogem muito mais rápidas do que a minha vontade. E quase não tenho tempo para as ler, para as pensar. Tenho de as deixar morrer na folha, para de novo pegar nelas e confirmar se ali as deixo, na expectativa de que alguém lhes dê vida. Porque as palavras possuem essa multiplicidade de significados cuja vida atribuída na escrita morre no papel, podendo renascer com interpretação totalmente oposta no momento da leitura.

DIZ-ME

Foto © Agnieszka Kowalska

Diz-me! O que faço às cinzas da paixão que deixámos arder? E as memórias do que fomos deixando ser nosso, onde as guardo? E os desejos que ficaram por revelar e por realizar, como os posso domar? Sabes? Diz-me se souberes. Às cinzas tenho medo de as enterrar. Podem transformar-se em sementes e voltar a florescer, ainda com mais força, com redobrado vigor, e dar como fruto uma paixão ainda mais ardente. Alojo as memórias no coração? Sim, sem dúvida, é o local privilegiado por natureza para o fazer. É o terreno onde a ternura sabe cuidar, sabe tratar o que se quer guardar para preservar. É verdade!... mas queres que te diga? O coração fica no peito. E o peito está tão apertado e tão tenso que não sei se vai suportar um coração forçado a duplicar-se, ou mesmo triplicar… ainda que as memórias fiquem bem aconchegadas, bem juntas, bem abraçadas como lhes sabe bem estar… E os desejos? Seguro-os? Diz-me como! São resistentes… mais fortes que o vento… que a corrente dum rio… mais obstinados que a inevitabilidade do destino. Mesmo que não queira teimarão em voar… em desbravar terrenos, explorar o céu… atropelarão as estrelas… derrubarão as palavras… e, incapazes de se desprenderem das cinzas e libertarem das memórias, temo que o seu destino seja o não pretendido…

domingo, 29 de março de 2009


ausente até...


sábado, 28 de março de 2009

DESPEDIDA

Foto © Jon Gibbs

Sentados nos degraus da madrugada, abraçava-nos a penumbra das horas esgotando-se no tempo que mediava até à despedida. A neblina dissipava-se nos primeiros sorrisos de luz. Um mar de estrelas adormecia submergindo num céu gradualmente mais azul. Um vento espreguiçado arrepiava a pele e soprava prolepses da despedida. Cobrimos com nossas próprias mãos os braços despidos, arrepiados no sono não dormido. Cada palavra era o início duma frase que calávamos, para não dizer, para não magoar, para não deixar marcas, para não deixar saudade. Em silêncio adivinhávamos as outras palavras que nenhum ousava expressar. Palavras que concluíam o que não se desejava terminado. Levantámo-nos e caminhámos lado a lado, linhas paralelas que desejavam se cruzar, mas perdiam essa coragem a cada passo mais, a cada segundo menos. À nossa frente, a espuma do mar atraía-nos como se fosse o destino, sendo na realidade a partida para a separação. Nas nossas mãos os dedos travavam o desejo de se tocarem, e as nossas passadas cada vez mais perto da água. A nossa pele já conseguia sentir a fragrância do sal. Detivemo-nos. E pedimos ao tempo só mais um momento… ao momento só mais um instante… o instante duma inspiração… o instante dum arrepio… só mais uma rebentação… só mais um desejo… só mais o momento necessário para dizer duas palavras… ligadas entre si… apenas cinco letras… antes do adeus.

sexta-feira, 27 de março de 2009

COISAS QUE O TEMPO NÃO NOS ENSINA A ENSINAR

Foto © Denis Olivier


- Pai, o que é amar?

- É gostar muito...

- Pai, eu gosto muito de gelados. Eu amo os gelados?

- ...! Não sei... talvez... talvez amar seja mais do que isso...

- O quê?

- Amar é gostar muito, mas também... começar a pensar 'em', quando se parou de pensar 'em'... é sentir saudade antes da despedida... é sofrer 'por'... é sentir falta 'de'... é precisar de repetir o que se sente quando acabámos de o dizer...

- E quando se começa a amar?

- ... quando o coração te der sinal...

- E que sinal é esse?

- Se o sentires bater mais rápido...

- Quando acabo de correr o coração bate mais rápido...

- Sim... mas não é só isso... se o sentires apertar-se... se o sentires crescer tanto que te pareça não caber dentro do peito... e te obrigar a inspirar fundo para conseguires respirar...

- E o que se pode amar?

- Muita coisa...

- Tudo?

- Não! ... não sei... podes amar uma pessoa, um livro, uma música, uma paisagem, uma cidade...

- E tudo ao mesmo tempo?

- Receio que não... talvez uma de cada realidade, mas...

- O que queres dizer com isso?

- Que poderás amar uma cidade, uma música e uma pessoa ao mesmo tempo. Mas dificilmente duas músicas em simultâneo...

- Não se pode amar duas pessoas na mesma altura?

- Sim... se fores pai, por exemplo, amarás os teus filhos e podes amar uma mulher...

- E se eu amar uma pessoa quer dizer que essa pessoa me ama?

- Nem sempre...

- E o que acontece?

- Se quem amas te amar, sentir-te-ás como um pássaro num céu azul, como um peixe num oceano, como o tempo num dia sem fim...

- E se não?

- Tens de controlar os teus sentimentos, os teus desejos, a tua vontade...

- Como um preso?

- Talvez... como as palavras fechadas numa folha que não se dá a ler, como um pássaro fechado numa gaiola, como uma música que não sai da partitura...

- E o que acontece ao coração?

- O coração sofre...

- E eu não lhe posso dizer para não amar?

- Podes. Mas o coração é irreverente...

- O que é isso, pai?

- É o que tu és, meu amor.

- ...?

- ... o que tu és quando desobedeces... quando te dou uma ordem e tu... tens necessidade de não ouvir, de fazer o que queres, o que precisas, o que desejas... de trilhar o teu caminho...

quinta-feira, 26 de março de 2009

EVADIDAS

Foto © Ianni Dimitrov


- Boa-tarde! Por favor, desejo falar com o Senhor Cônsul.
- Peço desculpa, mas quem devo anunciar?
- Creio que a minha identidade não será o mais importante.
- Lamento, mas qual é o assunto?
- Permita-me falar com o Senhor Cônsul. Diga-lhe que o assunto é de interesse superior!

- Boa-tarde! Quer ter a amabilidade de me explicar o que se passa?
- Senhor Cônsul, acredito que tenha conhecimento de terem sido recentemente libertas palavras…
- Sim, sim. Estou a par do assunto. Mas o que a leva a contactar-nos?
- Senhor Cônsul, receio que algumas das palavras anteriormente detidas se tenham evadido antes da autorização para serem libertas…
- E poderei saber o que a leva a revelar-me essa suspeita?
- Essas palavras que se evadiram procuraram refúgio em território, temporariamente, sob minha administração. Contudo porque não estava presente a nossa especialista em vocabulário de sentimentos e emoções, não conseguimos entender o que pretendem dizer. Falam com sentidos ambíguos, usando metáforas, verdadeiramente difíceis de entender fora do provável contexto com que foram escritas…
- Estou a compreender… mas de que modo julga que a possamos auxiliar?
- Acreditei que pudessem ter algum especialista capaz de as entender…
- Percebo… mas não é fácil encontrar quem tenha a disponibilidade e vontade de as alcançar… diria mesmo que será preciso desejá-las para as conseguir 'ler'...

MERGULHO


Mergulhado num mar de incertezas, dúvidas e indefinições sentei-me num rochedo da verdade. A cada passo falso volto àquela horta seca, diariamente percorrida, na esperança de encontrar uma palavra perdida, ainda por ler, que possa fazer minha e, com ela, preencher os silêncios que sulcam vazios na alma. A cada partida, o tempo transborda de momentos sem promessa de vida, escritos com emoções repartidas, acasos que teimam em mostrar que esse é o trilho a desvendar. É o teu olhar que me guia, repetidamente, no caminho aprendido de cor. Na certeza do teu olhar leio os pedidos que são minhas respostas, cruzamentos distantes, fatais. A cada sonho abro-te um novo dedo e leio os sentimentos que queres guardar, teimosamente não revelados. E peço-te ‘escreve mais alto!’ que não te ouço. O vento replica o teu silêncio e a minha maré vaza. Inseguro quanto ao teu regresso e à tua próxima enchente. Caotiza-se o ciclo das marés. Do céu chovem paradoxos e abraço-me ao que me faz sentir falta do que nunca tive. No deserto dos dias planto esperanças e regresso às hesitações. Procuro fórmulas certas para o que não tem porquês e… desisto. Agarro a inocência do olhar duma criança para conseguir dormir feliz, mesmo que não consiga fechar os olhos. Exausto, deito-me na areia de que todos os dias recolho um pedaço para misturar com palavras e colocar numa ampulheta, na expectativa de que o tempo desacelere. Fecho os olhos e observo o céu. Início a contagem. Eternamente repetida. A cada final o número aumenta. E desespero! Procuro a nitidez do teu olhar. O cansaço verga-me e caio no sono. Perdido no sonho, volto a convencer-me que te espero. Não consigo confirmar se mergulhaste. Só amanhã quando retomar a contagem… só amanhã se as tuas palavras regressarem… ou ainda agora se sentir teus dedos na minha mão…

quarta-feira, 25 de março de 2009

NUMA TARDE DE ESTIO [jeans]

Foto © Sonja Valentina


A temperatura do soalho harmonizava-se com o final de tarde de estio. Sentiu-o quando, inadvertidamente, descalçou um dos pés e o poisou no chão, enquanto esperava por ele. Na sua pele, o calor do sol reflectia mais um dia de praia, refrescado pelo aroma do creme e fragrância da colónia frutada que usava. À hora marcada, e como combinado, viera bater à sua porta para um primeiro jantar juntos. Convidara-a a entrar e justificara-se com um imponderável de última hora para a fazer aguardar mais uns minutos. A sua curiosidade feminina varreu, com perspicácia, as paredes da sala, as superfícies dos móveis, as prateleiras… ouviam-se melodias de bossa nova. Partira numa viagem relâmpago de suposições quando foi interrompida ‘desculpa fazer-te esperar…’ Aquela voz grave incomodava-a. Sempre se sentira transtornada com aquela tonalidade que parecia trazer pele interior arrancada a cada palavra. ‘Não tem mal…’ respondeu meio atordoada como se a tivessem acabado de acordar, no alvorar duma madrugada. Imperceptivelmente inspirou a olência da colónia que ele usava e impregnava o ambiente. Cambaleou interiormente. ‘Vamos?’; ‘Claro!’, respondeu-lhe. ‘Não vais descalça, pois não?’ Imbuída duma ebriedade que não estava a conseguir controlar, respondeu ruborizando um pouco: ‘Obrigado!...’ Calçou-se e avançou para a porta. Colocou a mão sobre a chave colocada na fechadura e tentou rodá-la… cavalheirescamente quis ser ele a abrir e a mão dele tocou na pele da mão dela… sentiu-se estremecer e as pernas simularam um desfalecimento. Olhou para trás e encontrou o olhar dele. Os lábios dele esboçaram um sorriso enquanto o olhar interrogava-a com a incerteza das estrelas. Tentou… mas não conseguiu desprender o olhar do dele… eram algemas de desejo que os uniam. Rodou a mão e, palma com palma, deixou seus dedos abraçarem a mão dele. Numa pergunta calada disse-lhe um rio de segredos guardados, de fragilidades, de receios… ele entendeu-os como destinos das suas dúvidas. Colocou-lhe a outra mão à volta da cintura e não precisou puxá-la, pois o corpo dela já se imanizara no seu. Os olhares de ambos cegavam-se mutuamente… e os lábios colaram-se numa ternura sôfrega, louca, sem tempo. Os braços enlaçaram os corpos e o desejo abrandeceu qualquer resistência. Suspiros sem ar, misturavam-se com mãos insurrectas em busca de espaços ignotos, ilusões envolvidas em abraços, tacteando desenhos de carícias e novos risos, desassossegados os troncos despiam-se de culpas, os olhos fechados escondiam pensamentos ausentes… e só os corpos sentiram prazer. Desfolhadas as roupas, as bocas passearam pelas peles deixando rastos de perfumes, tatuagens de sentimentos. Gritaram em surdina o nome do outro e o desejo tornou-se efectivo. … e depois do acto, enquanto prazeres mudos calavam as bocas, sobre o soalho tépido da sala repousavam os despojos daquele final de tarde de estio.
[Na era digital, também da fotografia, Ampliações são as minhas revelações de algumas sugestivas imagens de SONJA VALENTINA; são ampliações escritas, obviamente pessoais, dos pormenores com vida registados pela fotógrafa]

terça-feira, 24 de março de 2009

LEVA-ME CONTIGO

Foto © Jacqueline-W

Leva-me contigo!
Não me abandones
entre as palavras já lidas
guarda-me nas páginas
do próximo livro que leias
Não me esqueças
no meio de palavras já sublinhadas
reserva-me um espaço
entre as que mais desejas ler
Não me arrumes
entre as notícias já divulgadas
descobre-me nas do jornal
da próxima manhã
Não me largues na canção
que já não lembras
escreve-me no poema
da que ainda queres decorar
Leva-me contigo!
E lê-me todos os dias
como se fosse a segunda vez
aquela que fizeste com maior desejo
... o de confirmar a primeira leitura.

MELANCOLIA


Foto © Svetlin Aleksandrov

A neblina que dissipa
o mar que acalma
o rio que serena
a chuva que abranda
as palavras que se apaziguam

a ataraxia da alma
a impassibilidade das emoções
a placidez do tempo

o relaxamento da ansiedade
a indiferença da madrugada
o esquecimento do eu

e um coração que adormece
numa manhã imperturbável
de nevoeiro de lágrimas
a encobrir a verdade do sol

segunda-feira, 23 de março de 2009

TRILHOS [trilho(s)]

Foto © Sonja Valentina


Madeiras desfeitas
pisadas por nossos passos
Dias sem glória
Memórias sem laços
Caminhos percorridos
Ligações perdidas
Silêncios eternos
Palavras indevidas
Trilhos anónimos
Transeuntes ausentes
Invernos de dor
Amores doentes
Segredos desfeitos
Vazios descuidados
Promessas incumpridas
Pactos desprezados
Tábuas molhadas
pela embriaguez da manhã
sequiosas de novos passos
numa espera quantas vezes vã?



[Na era digital, também da fotografia, Ampliações são as minhas revelações de algumas sugestivas imagens de SONJA VALENTINA; são ampliações escritas, obviamente pessoais, dos pormenores com vida registados pela fotógrafa] 

BOM . DIA

Foto © fwmurnau

Dormias
Nada disse
Não te toquei
Contemplei-te
Divaguei
Delirei
Sonhei
Em silêncio
Nas canções que tornámos nossas
revelei-te segredos do meu coração
Segurei o meu impulso
E não te acariciei
Chamei-te minha
madrugada de sentimentos
A claridade rasgava o céu
Fiquei
Mais perto
No meu peito
Aconcheguei-te
sem te tocar
Descansei meu olhar
em ti
Li-te os poemas que me deste
Ofereci-te as palavras que escrevi
Viajei
Parti e voltei
Porque era ali
o meu lugar
Perto de ti
para te ver despertar
Não te toquei
Adorei-te
Chamei-te minha
manhã de palavras por acordar
e aguardei
esperei por uma brisa
para pousar nos teus lábios
o beijo que te desejei dar

domingo, 22 de março de 2009

LIBERTAS

Foto © jot.de


De acordo com notícia veiculada pela Agência Lusa terão sido, hoje, libertas as palavras detidas há uma semana atrás. A libertação resulta da renúncia, por parte da acusação, da queixa evocada, facto que mereceu a concordância do Ministério Público. Em comunicado distribuído aos órgãos de comunicação social é referido que a detenção das referidas palavras terá provocado, em certos leitores, uma franca decadência dos níveis de ternura, de sonho, de beleza, de desejo, para nomear apenas alguns dos predicados mencionados. Ouvidas à saída do local onde permaneceram ao longo de uma semana, as palavras agora libertas escusaram-se a prestar declarações extensas, apenas referindo que o desejo irá ser repetido e insistentemente gritado com verdade, sonho, genuinidade e ternura. Até ao fecho da edição não foi possível qualquer contacto com o autor destas palavras.

sábado, 21 de março de 2009

HOJE



Hoje as palavras não bastam
aliás nem existem palavras
hoje há uma distância inultrapassável
mas não dói, não entristece
hoje há uma brisa, uma água fresca, uma melodia
a correrem dentro de mim
hoje eu não quero escrever palavras
eu hoje só quero o mar ao fundo
o teu olhar no meu, em silêncio
minha mão poisada na tua
e não falar, apenas sentir
que a tua música é minha
os teus sonhos, meus desejos
e deixar-me ir ficando
a ouvir a mesma ondulação,
a mesma água, o mesmo sal,
o mesmo céu, o mesmo sol,
o mesmo vento, o mesmo arrepio,
… e…
e quando o silêncio já não durar
quando a ternura gritar
parar de estar parado,
fechar os olhos e deixar
nossos lábios colarem-se
e falarem, entre eles, coisas
que eu não sei dizer, nem falar,
nem escrever, nem cantar, nem gritar,
… só sentir
… e que neles fique
o meu gosto no teu gosto
o gosto de ti no meu gosto

quinta-feira, 19 de março de 2009

SAIS DO TEU CORPO E SORRIS

Foto © Robert Wasinger

 Sais do teu corpo e sorris…

Onde vais? Quem procuras? Buscas-te em desejos no passado? Ou apenas tentas te robustecer na frescura dum sorriso? Cansaste-te do teu corpo usado? Ou serves-te do teu sorriso para requerer as carícias que te faltam?

É teu esse corpo de mulher tantas vezes desejado, outras tantas amado. São tuas as horas em que te entregaste a paixões que te fizeram viver e fizeram de ti mulher. O tempo passa… mas a mulher fica… porque se sabe amar, continuará a sê-lo no corpo que é seu e não precisa de fugir para o passado em busca dum sorriso que já não lhe pertence. Procura sim, no teu presente, aquele que agora te sorri e torna-o teu. Grita-lhe o teu desejo e abraça-o como se não houvesse amanhã, olha-o como o pescador a um farol, perdido no meio do mar, acaricia-o, escorre por ele como a chuva num vidro em manhã de aguaceiro e segreda-lhe os teus silêncios como uma brisa num crepúsculo de estio.

E se aí chegares… então sorri… e sai do teu corpo… para entrar no daquele que queres amar.


NA PELE DA MEMÓRIA



Guardo na pele da minha memória
o perfume das palavras que me disseste.
Carícias em que não nos tocámos
mas que senti.
O eco delas enleva-me num místico rio
de que não quero conhecer a foz.
Desejo apenas bebê-las
saborear-lhes cada lágrima, cada sorriso,
cada hesitação, cada certeza.
Ambiciono apenas tê-las
como minhas, como meu indumento,
o meu sangue, o meu desejo.
Cobiço apenas a sua transparência,
a sua verdade, o seu impulso.
Quero guardá-las no cofre onde nada se perde
e mesmo que diluído no tempo
se eterniza no perfume da memória.

* a foto utilizada é a cores, conforme poderá ser vista aqui

OS MEUS ANJOS

Foto retirada daqui


Os meus anjos ofereceram-me uma mão cheia de estrelas. E eu desequilibrei-me… e tive de me segurar para não cair… e caí… sim caí de felicidade… por ter aqueles dois anjos que, com a maior simplicidade, me ofereceram uma mão cheia de estrelas. Só minhas… só deles… e sem lhes dar a mão, levei-os na minha… voei no céu… através de nuvens de algodão doce… e cruzei-me com o Peter Pan… e em voo picado mergulhei no mar… e fui à procura de Nemo… viajei até ao futuro e observei a labuta de Wall-E… apanhei um foguetão até Paris e cheirei o aroma dos cozinhados de Ratatui… sem esforço cheguei ao reino Bué Bué Longe e lá estava Shrek… e hoje só posso ter um dia feliz… por serem meus aqueles dois anjos.

quarta-feira, 18 de março de 2009

RE[ENCONTRO]

Foto © Anisja


- Olá!

- O…lá… Não acredito… que surpresa!...

- Quis saber como estás…

- Não acredito… mas… como soubeste?... como descobriste?...

- Quando se quer…

- É verdade. Quando se quer…

- Não me convidas para entrar?

- Claro! Desculpa… ainda estou nas nuvens…

- Pois… eu sou real.

- Claro! Claro! Não esperava… é realmente uma surpresa… por favor senta-te…

- Que tens feito?

- Há tanto tempo…

- Nem sabes quanto…

- Acredita que sei! Não duvides que sei!

- Primeiro foi difícil… foi terrível… depois… a saudade foi tomando o lugar da dor e a pouco e pouco o perfume da memória foi tomando conta da saudade…

- …

- …e viagens? Tens feito?

- … algumas. A última…

- Foi aquela que tanto desejavas?

- Não!... essa ainda não fiz…

- Mas não era dessas viagens de que falava… era das outras… das que fizemos…

- … sim!... algumas… mas nunca mais como as que fizemos juntos…

- … ainda lhes sinto o sabor… a força… a intensidade…

- Também… também…

- Lembras-te?...

- Se me lembro?... Como esquecer?...

- … e as pontes…

- As pontes?...

- … as pontes ficaram a ligar duas margens imaginárias que na realidade eram distantes, mas impossíveis de não ficarem ligadas por essas pontes… que as nossas viagens foram revelando… e construindo…

- …

- …



terça-feira, 17 de março de 2009

PARA LÁ DAQUELE PORTÃO [portão - vila viçosa]


Para lá daquele portão, em tempos, existiu uma quinta onde havia uma casa. E como em todas as quintas onde existe uma casa, haviam pessoas. Enquanto pessoas viveram nessa quinta onde havia uma casa, houve história. Depois que a casa e a quinta foram abandonadas, a história transformou-se em memória. Contam as memórias dessa história que nessa casa, daquela quinta que existiu para além do portão, houve uma família com muitas gerações. De geração em geração a quinta e casa foram sendo herdadas, sem testamentos, apenas com a vontade de preservar o que era a história dessa tal família, os seus segredos e desventuras. Numa dessas gerações houve um homem que sonhou uma utopia: por cada paixão que vivesse, plantar uma árvore de corações. Ao longo da sua vida, que nem a memória, nem a história, sabem especificar quantos anos foram, esse homem plantou um pomar com árvores de corações. Com a chegada de cada Primavera percorria vagarosamente o pomar, observava com minúcia cada árvore, acreditando que iria encontrar uma que desse o primeiro coração. As Primaveras sucederam-se… os Invernos tornaram-se, a pouco e pouco, mais rigorosos e o peso do tempo começou a curvar o agricultor de corações. Um dia, descrente quanto à fertilidade daquelas árvores, chamou o único neto e contou-lhe o seu segredo. Instruiu-o quanto ao tratamento a dar ao pomar e, como única herança, deixou-lhe o sonho de utopia. Passado algumas semanas o homem faleceu. No exterior, um vento forte varreu a quinta… o rapaz, cumprindo as indicações do avô, correu para junto das árvores e verificou-as uma a uma. Junto duma delas, caída junto à raiz, uma das suas folhas tinha as seguintes palavras sulcadas: ‘Há passos que não se recuam. Os teus guardei-os no meu coração!...’

Para lá daquele portão, em tempos, existiu uma quinta onde havia uma casa. Ou terá sido para cá do portão? Onde agora cresceram ervas daninhas… e para lá do portão seja o futuro?


[Na era digital, também da fotografia, Ampliações são as minhas revelações de algumas sugestivas imagens de SONJA VALENTINA; são ampliações escritas, obviamente pessoais, dos pormenores com vida registados pela fotógrafa]

AO PÉ DAQUELA TORRE


Ali, ao pé daquela torre, será o ponto de partida, o local onde tudo irá (re)começar. Dali, bem perto daquela torre, eu vou partir. Vou sentar-me, em frente ao mar e olhar para o infinito. À espera… sem cansar. E mesmo que as tardes de sol me tragam calor, e a sede me invada… eu vou esperar… porque a minha sede é, ainda, maior. E mesmo que as manhãs de chuva me tragam o desconforto, e o frio me invada… eu vou esperar… porque o meu frio é, ainda, maior. E em cada noite, quando o cansaço não me deixar resistir, vou encostar minha cabeça no ombro da lua e… vou esperar… que as estações passem, que as crianças cresçam, que a morte parta… e vou esperar… olhando o mar… vou ver as embarcações chegarem e partir… vou ver as marés vazarem e encherem… vou ver os calções dos pescadores transformarem-se em barbas brancas… vou ver os cardumes, a areia, o vento, os relâmpagos a abrir o céu e vou ver as estrelas. E quando uma delas mergulhar no mar, então, eu vou descansar pois nesse instante uma caravela irá desfraldar as palavras ao vento, e o branco das suas velas alagará o mar. E então, bem junto daquela torre, será o ponto de partida para a nossa viagem cruzar o mar…

CONVERSA COM C GRANDE


Quando dois Homens Grandes se juntam, arriscamo-nos a ler palavras como estas:

“A voz é grave e pausada, sem nunca se elevar, num tom que faz silêncio à sua volta. Tom de quem é escutado com atenção e sabe que o escutam atentamente. O sol da manhã, com uma intensidade primaveril, em pleno Inverno, inunda a sala do apartamento à Lapa. Em sua própria casa pede-me autorização para fumar. Um gentleman nos vários sentidos da palavra.
…”

Um deles sempre me impressionou pela sua serenidade, pela sua certeza sem que tenha necessidade de a afirmar, pelo saber ouvir. Foi político e nunca me lembro de o ter ouvido subir o tom. Com ele aprendi ser possível admirar sem ter que concordar. É um homem grande em estatura, mas acima de tudo em convicções. E isto fá-lo, para mim, um Homem Grande. O outro é um excelente perguntador, diria eu o melhor perguntador português! Ele escreve quando pergunta. Mesmo quando o faz sem ser pela via escrita. Ele parece, sempre, saber mais do que o entrevistado e cria a ilusão de conseguir, sem que o pretenda, estar seguro da resposta antes de perguntar. Para alguns também poderá ser um homem g…, para mim é um Homem Grande.

E quando dois Homens Grandes se juntam… só poderá existir uma Conversa com C, bem grande!

 

[entrevista de Carlos Vaz Marques a António Barreto, na edição deste Março da Revista LER]

ADEUS

Foto © Akif [Hakan] Celebi


As tuas palavras golpearam a noite
esventraram o silêncio
para me arrancar do sono
devassaram-me o repouso
arrastaram-me na madrugada
e quando os primeiros raios de dia
rompiam a escuridão
torturavam-me como uma gota
caindo repetida e paulatinamente
numa porção de água
adeus
adeus
adeus
adeus
adeus
adeus
adeus
adeus…


segunda-feira, 16 de março de 2009

PORQUÊ?



Porquê?

tudo o que toco se estilhaça?
tudo o que olho se desfaz?
tudo o que cheiro se evapora?
tudo o que oiço não existe?
tudo o que saboreio se decompõe?
tudo em que acredito se revela ilusão?

de que substância corrosiva sou feito
para que nada exista em mim?

À TUA IMAGEM

Foto © Yurek


Há uma imagem de ti na tua vontade. Uma segunda personalidade que se esbate e não assume a verdade da vontade. Há um prolongamento de ti nessa imagem que saída de ti se dissolve no olhar do tempo e se atenua aos ouvidos da razão. Há uma segunda vontade em ti que esmaece, que te proporciona tanto deleite quanto a primeira, mas que insistes em tornar transparente… talvez para dissimular… quiçá se para esquecer… E é num diálogo de opacidades que te perdes… e te procuras… te encontras e te separas… te dissolves… te volatilizas. E de recusa, em recusa, buscas novos prazeres… idílicos… vividos com edacidade e logo denegados com paixão. E, de novo, partes em busca da nova certeza de ti, sempre renovada, sempre igual, sempre repetida: na tua vontade existem duas tentações! Exteriorizas a da razão, mas é a outra que te faz sonhar. E que te incomoda porque a sabes viva. E quando a empurras para trás fica sempre uma sombra de ti, transparente, a lembrar-te que há uma imagem de ti que te faz viver.

MANHÁS VAZIAS

Foto © Joe Zellers

Trazia nas minhas mãos vazias
uma história de dúvidas
desencontros de silêncios
Um mapa de emoções
encontrei em tuas mãos
banhando oceanos de sigilos
desaguando em horas de palavras
No tempo incontido
escrevemos contos infindáveis

lemos tratados
selados com abraços inventados
de memórias apagadas
por beijos escondidos

Desenhámos sombras dos dias
e na fome de noites renovadas
repartimos medos em segredo
Dançaste com asas afagadas
em madrugadas de luas perdidas
e perdemo-nos em gestos desconhecidos
Num canto imperfeito
furtaste-te a dizer teu nome

e das minhas palavras
roubaste um beijo
com que acordas todos os dias
deixando-me as manhãs vazias


[Perdoa-me, Pedro, a inspiração... a utilização... o roubo...]

domingo, 15 de março de 2009

OBRIGADO DR. PEREIRA LEAL!


Eu fui uma das quase dez centenas de pessoas que teve a honra e o privilégio de lá estar hoje. Estive entre muitas das figuras da cultura nacionais e internacionais que quiseram dizer ‘Presente’ neste dia. Quantos terão feito milhares de quilómetros para estar consigo, hoje, na despedida formal após mais de três décadas de dedicação?

Permito-me transcrever um excerto das palavras que lhe são dedicadas no programa do concerto, pelo dignitário máximo da instituição: “A história das instituições é frequentemente partilhada com a biografia de algumas pessoas que souberam libertar-se dos constrangimentos das circunstâncias, compreendendo de forma visionária a exigente responsabilidade da concretização de um projecto cuja dimensão e importância ultrapassa o mero contexto ou as limitações próprias do tempo em que surge.”

Foi admirável ver quatro maestros como Cláudio Scimone, Michel Corboz, Lawrence Foster e Joana Carneiro, dirigirem as mais de oito dezenas de membros da orquestra e do coro. Se considerarmos que, ainda, nos foi oferecida a possibilidade de ouvir a diva Barbara Hendricks e a divinal Ana Quintans [que beleza para a audição e para a vista a sua serenidade!], a noite foi irrefutavelmente magnífica. Permita-me, ainda, destacar a ‘estreia absoluta’, sob a direcção da maestrina Joana Carneiro, do sexteto constituído pelo António, pelo Miguel, pelo Zé, pelo Zé Manel, pela Isabel e pela pessoa que o substituirá: Risto Nieminen; Inigualável! E para culminar o concerto/homenagem que outra peça poderia ser melhor escolhida? O Adagietto da Sinfonia Nº 5 de Gustav Mahler, liquesce o coração mais gélido, provam-no as manifestações emocionais que alguns dos presentes não conseguiram evitar.

Lamento a ausência, tanto quanto me foi dado perceber, do representante governamental da Cultura e a ‘impossibilidade’ do representante máximo da Nação que delegou a imposição das Insígnias de Grã-Cruz Ordem do Infante D. Henrique. Como tive oportunidade de lho dizer pessoalmente, acho que lhe ‘fica muito bem’ por ser inteiramente merecida!

Hoje, senti-me um privilegiado pela oportunidade que tive de trabalhar consigo. Congratulo-me pelo respeito que sempre me concedeu, ao longo dessas duas décadas e meia, em qualquer das circunstâncias que assumi. Lembro, com igual respeito e muita ternura, os seus momentos de humor, um elogio indirecto que de si ouvi – e que aqui não cabe explicitar – mas, sobretudo, as conversas mais longas que tivemos nos últimos dias de colaboração e nas visitas que lhe fiz posteriormente, e a confiança que fez questão de sempre me demonstrar.

Porque não encontro outra forma de o expressar, hoje, limito-me a dizer: Obrigado Dr. Pereira Leal!

COM AS MINHAS MÃOS [mãos - plaza mayor, madrid]



Com as minhas mãos
eu escrevo palavras
que voam sôfregas
dentro de mim,
em busca duma fresta
para se libertarem

Com as minhas mãos
eu escrevo palavras
que desesperadas me magoam
batendo cegas
no interior do meu peito

Com as minhas mãos
eu escrevo palavras
aqui nesta cidade
onde as mãos são capazes de olhar
e os olhares acenam como mãos

Aqui nesta cidade
onde ecoam palavras de Cervantes
Que o papel fale e que a língua se cale!
ou de Lope de la Vega
O verdadeiro amor só conhece a igualdade

Aqui nesta cidade
eu escrevo palavras
que desejo deixar nas tuas mãos
para que as tuas mãos me olhem,
as minhas palavras te beijem
e o meu olhar te acaricie

Com as minhas mãos
eu escrevo palavras para ti...
Aqui nesta cidade
… Madrid



[Na era digital, também da fotografia, Ampliações são as minhas revelações de algumas sugestivas imagens de SONJA VALENTINA; são ampliações escritas, obviamente pessoais, dos pormenores com vida registados pela fotógrafa]

SEGREDOS AO MAR


regresso… em frente ao mar
olho-o… observo-o… contemplo-o…
e entro nele, deixando-me ir
no seu infinito de horizonte dissimulado
levado pela sua imensidão
perdendo-me nela
voluntariamente sem vontade
na expectativa de que me oiça
sem que tenha de lhe contar
e nas suas profundezas
possa abandonar
o que não é desejo esquecer.

sábado, 14 de março de 2009

DETIDAS...

Foto © Komrade


- A sua identificação, por favor!
- Aqui tem o meu BI. Posso saber porque me a pede?
- Confirma, ou nega, ser autor destas palavras, mais destas, e destas, e destas, e destas ainda, mais estas, estas, e estas, e mais estas, estas e estas…
- Confirmo, são minhas!... mas o que se passa… não percebo…
- Por determinação superior do tribunal de jurisdição voluntário, foi emitido um mandato de captura a todas as palavras por si escritas!
- … ! … e de que sou acusado? Posso saber?
- O senhor? De nada! Mas as suas palavras foram acusadas de demasiadas, excessivas, eufóricas, repetidas, insistentes, interferentes, ruidosas, genuínas, ternas, bonitas, perturbadoras, verdadeiras, inidentificáveis, sonhadoras, desejáveis, provocadoras…
- Chega!!! E… que poderei eu fazer para as defender?...
- Nada! Rigorosamente nada! Apenas calar-se!

CANTEIRO DE PALAVRAS

Foto © Velislava


No meu jardim tenho um canteiro de palavras. Com a rotina dos dias murcham e acinzentam-se. Quase passam despercebidas a elas próprias, a mim e a quem passa por elas. Secam, carentes de rega, por nada terem para dizer, pela indiferença sentida. Outras vezes vestem-se de ansiedade, arrancam-se da raiz, lutam por espaço, libertam-se e expelem-se. Outras vezes, ainda, ruborizam-se de tonalidades quentes, envaidecem-se, gostam de si próprias e perfumam-se com adjectivos que outros apelidam de sensibilidade, de beleza… eu, por mim, limito-me a dizer que, no meu jardim, tenho um canteiro de palavras que colho para escrever.

sexta-feira, 13 de março de 2009

DESPERDÍCIOS?

Foto © Robert Panas


Nunca serão desperdício as palavras escritas com verdade
Não são desperdício as palavras sentidas
Não são desperdício as palavras que nos tocam
Não serão desperdício as palavras que sentimos, que guardamos em silêncio, a que não podemos responder, mas que não queremos esquecer
Não são desperdício as palavras que se oferecem, que se recebem, que se aceitam
Não são desperdício as palavras que, secretamente, queremos nossas

Desperdício são as palavras que rejeitamos sem as saber olhar

Não são desperdício as palavras que nos fazem sorrir, que nos despertam emoções, sentimentos e sensações
Não são desperdício as palavras que nos fazem voar, sonhar, derreter
Não são desperdício as palavras que nos fazem gostar de nós
Não são desperdício as palavras que de tão especiais queremos guardar no lado esquerdo do peito

DE COSTAS PARA O MAR

Foto © Chuck Gordon


Acredito na tua chegada
de costas para o mar
no meu punho fechado
agasalho palavras por libertar
Na espera de tuas asas
sou pássaro adormecido
para num instante de brandura
recuperar o voo perdido
Quero cruzar oceanos de afectos
mergulhar em infinitos mares
e a teu lado planar
em céus de mil luares
Voando com vento a favor
quero rasar teu peito
e da tua boca de gaivota
ouvir a palavra aceito
Quero regar com ternura
a resistência que em ti lavras
e na tua mão fechada
depositar minhas palavras

quinta-feira, 12 de março de 2009

QUASE TUDO

Foto © Inge Helene


O Mundo numa cidade
Um deserto num grão de areia
Um dilúvio numa gota
Um mar numa maré
Um ano num minuto
Um poema num verso
Uma infância num sorriso
Um caminho num passo
Uma vida num momento
Um desejo num olhar
Um quase tudo
… em quase nada

quarta-feira, 11 de março de 2009

COMO UM SOPRO

Foto © kool_skatkat



como uma vela que se apaga

como uma folha que voa

como uma onda que se desfaz

como um balão que rebenta nas mãos duma criança

como um verão que acaba

...
como uma ilusão que se desmorona

como uma palavra que se apaga

PACTO

Foto © Sascha Huettenhain


… olhos nos olhos … uma transparência ofuscava o ambiente, esbatendo a realidade do que era irreal… sentados frente a frente sem que o tenham combinado… secretamente desejado. Levou o seu indicador direito até ao lábio inferior dele… caíram palavras mudas sob a forma de um poema sem versos. Não havia tempo! Sobre a mesa fez deslizar a sua mão direita… seus dedos tocaram o olhar dela… caíram palavras caladas sob a forma de crónicas do amanhã. Ao longe, ouvia-se o silêncio das horas… correndo implacável no leito dum rio sem fôlego… nem foz… não usaram tinta… estava assinado!

terça-feira, 10 de março de 2009

NUMA PRAIA DE SARGAÇOS

Foto © Bruce Grant


Numa praia de sargaços
deitei meu corpo na areia
na solidão de meus passos
cheguei
 já era lua cheia
Minhas palavras despira
no leito revolto dum rio
memórias ardendo em pira
no lume dum Inverno frio
Versos instinto foram vento
correndo em corpos desconhecidos
num querer sem alento
sarar sentimentos feridos
Nas palavras doutros mergulhei
toquei-lhes na pele e olhar
sem prosas, regras ou lei
bebi dum só trago todo o mar
Quando dei por mim
o céu vestira-se de estrelas
e eu desconhecendo o fim
fiquei com medo de perdê-las

Numa praia de sargaços
deitei meu corpo no teu
e entre beijos e abraços
o desejo adormeceu!

segunda-feira, 9 de março de 2009

INTERROGAÇÕES

Foto © lucette virelle


Porque não dar asas às palavras e deixá-las voar sob céus que a realidade, talvez, não comporte? Porque não nos deixarmos iludir pela perfeição do sonho? Porque não olhar o futuro como um espaço do possível? Porque carregar o peso das oportunidades não aproveitadas? Porque cingir as ruínas do presente à destruição do passado e não assumi-las como o princípio da reconstrução do futuro? Não será a incapacidade de sonhar, uma incapacidade de viver? Onde reside a beleza e a felicidade se não no sonho e na expectativa de o concretizar? Se evocamos os sentimentos, porque não assumir o desejo de os viver? Não será o desejo, o sentido da vida?

Como interiorizar tudo isto e assumi-lo e praticá-lo a cada dia, se, ao longo do nosso crescimento, construímos uma sucessão de muros, de limites, de fronteiras, de regras, de preconceitos que nos vão fortalecendo como terrenos, mas nos arrancam as asas para voar… com os sonhos? Porque crescemos e, quando seria suposto aprendermos, perdemos a capacidade infantil de sonhar?

domingo, 8 de março de 2009

INVEJA

Foto © Ben Rudick [recolhida aqui]



Dum modo geral, não me considero invejoso. Se gosto dum carro, faço-o porque o acho atraente, mas não cobiço. Normalmente, estabeleço os meus padrões de desejo por mim mesmo, pelo que tenho possibilidade de obter, e não pelo que os outros têm, demonstram ou ostentam. Não me considero invejoso relativamente a objectos, nem a pessoas ou tipos de vida. Contudo já não poderei dizer o mesmo no que respeita a criações. A elas próprias e não aos seus autores. É como se me questionasse porque é que determinada obra pertence ao autor que a concebeu e não a mim.

Esta inveja acontece quer relativamente a um poema, a uma melodia, a um bailado… mas de quem tenho realmente inveja é das criações publicitárias. Bolas!... algumas há que me dão uma raiva… como é que elas não nasceram de mim? Como é que não fui capaz de idealizá-la(s)? A mensagem é tão óbvia. A solução é tão simples, que qualquer pessoa no mundo a poderia ter imaginado. Sim, porque acho que toda a arte reside na simplicidade com que se transmite essa singeleza dum acto natural do dia-a-dia, da vida.

E para citar um ou outro exemplo, começarei pelas imagens que a SIC Notícias tem passado com a interpretação de Bem Bom, na voz de Rui Reininho. Como foi possível trabalhar uma canção, de qualidade duvidosa, direi eu, e adaptá-la ao ritmo duma estação de notícias. Confesso que a versão de Reininho já me havia cativado, mas a roupagem que agora lhe foi dada, considero super… até tenho inveja! A simbiose do excerto da letra utilizado com as imagens, a forma como Reininho passa, aparentemente, despercebido a todo o trabalho de preparação das notícias a serem, mais tarde, difundidas, porém, inconscientemente, marcando-lhes o ritmo, são ideias que gostava de ter sido eu a ter. E aquele ‘café da manhã para dois’…

As coreografias de Mats Ek. O coreógrafo sueco, para mim um génio, utiliza os movimentos mais básicos da dança. Porém exige aos intérpretes que os dimensionem acima do que é natural. Se formos capazes de dissecar cada sequência, perceberemos como o simples é muito mais eficaz do que o rebuscado, o elaborado. Mats Ek concilia esta simplicidade de movimento a uma sensibilidade poética nas mensagens que transmite. Mas para além disso, as suas criações transmitem a frontalidade e o humanismo dum senhor que não é por ser o criador que é, que deixa de ser um Homem, com letra maiúscula. Eu queria ter sido o coreógrafo de muitas, porque não todas, as obras coreográficas que têm a assinatura Mats Ek. Para quem não conheça e sinta curiosidade, espreite
aqui. E digam-me quem não gostaria de ter ‘a mão’ a tapar-lhe os olhos antes de passar a porta do desejo? Seria possível com movimentos tão simples como dobrar os joelhos, manipular o movimento do outro e, reciprocamente, ser manipulado, dizer tanto, de alguma outra forma? O segredo está na simplicidade e na amplitude… no simbolismo de cada gesto e de cada objecto utilizado. Mas o movimento de Ek é, ainda, docemente erótico.

Também tenho inveja da Noite passada ter sido escrita pelo Sérgio Godinho e não por mim. É tão bela, mas tão evidente… tão fácil. Não é o amor uma corrente de água que corre para uma superfície incomensuravelmente maior e desconhecida? Como não poderia o amor correr num rio? Como não poderá ser a mulher amada um misto de sereia e ave, que voa, que foge, à espera, a desejar ser abraçada? Como não pode parecer que, no amor, nos conhecemos há muito tempo, mesmo que na realidade o ‘confronto’ tenha sido à breves instantes? Por onde foge o amor se não por frestas? Onde, se não no amor, nos conseguimos ver em segredos, nos locais onde não estamos, onde não estivemos? Apenas fomos desejados… Onde, se não no amor, o regresso deixa marcas que não se vêem… mas sentem-se? È tão evidente! Só não consigo admitir que não tenha sido eu! Que inveja… era tão intuitivo que se ‘descias o Douro’, eu ter-te-ia de ‘esperar ao Tejo’… e só poderias ter vindo ‘numa barca que não vi passar’. Porque é que não me lembrei? Que inveja!!!...