sexta-feira, 31 de julho de 2009

A ÁGUA DAS MÃOS

Foto de Angela Vicedomini


Pelo teu corpo
escorrem minhas mãos
na inquietude do afago,
ora rio desesperado
em busca da foz,
ora lago adormecido
na placidez do seu sulco,
remexem em carícias
o prazer sem margens,
oferecem o deleite
da procura sem corrente,
e o teu corpo
arrepia-se no calor da corrida,
guarda o silêncio do desfrute
de sentir no seu leito
o escorrer das minhas mãos

quinta-feira, 30 de julho de 2009

ELEGIA

Foto recolhida aqui


O tempo passa sem que dêmos por isso. A idade avança, o físico até pode derrocar com ela, mas o poder do desejo mantém-se intacto, enquanto conseguirmos olhar para a beleza com a mesma contemplação. A obra de arte é a mesma desde que criada até que o tempo passe por ela, mas nunca será igual, porque os olhares são diferentes e mesmo que o mesmo, variará com os nossos estímulos.

Poder-se-á chamar amor, o mesmo amor, o de quem gosta do que olha, apreendendo-o como a mais sublime criação universal, e o de quem gosta porque entra bem fundo e agarra o âmago do outro?

Como se podem ligar duas atracções distintas como a que se prende ao belo, ao perfeito, e a que fica presa à mestria da eloquência? Não será esta uma quase regra do amor entre o homem e a mulher? Ele deseja a imagem dela, ela o saber dele. Quantas relações vivem, sobrevivem, vegetam neste contacto que não se entende, que anos e anos nunca consegue falar a mesma língua?

Para o homem, a mulher é um quadro, uma representação, as palavras, a composição musical. Para a mulher, o homem é a tinta que tem de ser escolhida para pintar, é o conteúdo que se quer transmitir no drama, é a razão da escrita, é o coração que marca o ritmo do metrónomo.

E mesmo que a idade avance, que o tempo passe sem pedir autorização, as perdas são irrecuperáveis. Mesmo que nos mentalizemos de que as ultrapassaremos, as perdas revelam-se feridas que não saram. Podem até ficar esquecidas mas basta que se lhes toque para voltarem a sangrar. Seguramente na morte e provavelmente na doença existirão caminhos impossíveis de regressar. Mas, noutras situações, para evitar a mágoa, ou se recupera o perdido – um pai e um filho podem reaver a relação abandonada -, ou então evita-se a perda. Antes de se perder fica-se lá… com o que não queremos perder.

Os soberbos Ben Kingsley e Penélope Cruz dão corpo a muitos destes diálogos, destas dissonâncias, destas duas vozes a falar o amor. Elegia é um filme de que se sai com a sensação de levar ‘trabalho para casa’. É como se nos tivessem desarrumado sentimentos, convicções, posturas… as gavetas foram todas revoltas e agora é preciso organizá-las, arrumá-las, seleccioná-las, antes de as voltar a fechar. Porque o tempo passa pela vida sem que quase dêmos por isso. E o amor merece ser vivido e respeitado como uma peça de arte, concebido por um génio, sublime, inigualável e olhado, a cada dia, com um olhar diferente, o nosso, sempre repleto de contemplação.


quarta-feira, 29 de julho de 2009

DO SUL

Foto de Shark

Chegam-me em surdina
murmúrios do Sul
como um chamamento
para uma viagem por fazer

Corro até à praia
à procura duma partida

... dos navios dissipam-se os rastos
...das aves cala-se o bater de asas
... do vento amaina-se o incitamento
... do oceano esmorece a corrente

e olho o céu
e na lua projecto um sorriso
que se alastre no horizonte
e se abrigue no mar
do Sul
para onde a minha viagem
não partiu

... ainda

terça-feira, 28 de julho de 2009

NO VAZIO DO TEU LUGAR

Foto recolhida aqui

Quando a noite
desfralda a solidão
sinto-me moliceiro perdido
no meu leito oceânico,
o corpo resvala
pelo alabastro sedoso
invocando aromas de carência
na quietação do abrigo,
os meus braços são remos
sem águas para envolver,
alteram a direcção do vento
na vigÍlia da madrugada
e a lua sorri na pele
o suspiro disfarçado do desejo,
arrepia-se a encarnação adivinhada
no espaço vazio que dorme
ao meu lado.

segunda-feira, 27 de julho de 2009

FAZ

Foto de Villi


Faz dos teus braços as minhas asas
e suspende a permanência do voo
no teu abraço a que me moldo

Faz das minhas palavras tua súplica
e desfaz o sentido dos significados
no teu olhar em que me revejo

Faz dos teus dias o meu livro
e demora o perfume da ternura
nas tuas mãos a que me agarro

Faz da minha voz tua melodia
e esquece os ecos do passado
no teu sorriso em que me digo

Faz dos teus anseios o meu corpo
e naufraga a carícia da pele
na tua noite em que me deito

Faz de mim o teu hoje
e arrasta a sombra do presente
no amanhã em que te sonho

domingo, 26 de julho de 2009

EM CÂMARA LENTA [III]

Foto de Lukas Wozny

A Andaluzia derretia em mais uma noite sufocante, daquelas em que se deseja um abraço de mar, uma brisa dum beijo refrescante, um tocar de pele que passa roçando-se no frescor da sedução. A Giralda penetrava o céu que insistia manter-se azul enquanto a noite descia. Um aroma perfumado inebriava os sentidos. A alma de algum mago mouro encantava a atmosfera deliciando o sonho.

O relógio avançara as horas abraçando a madrugada e levando o desejo consigo. Por ser inevitável. Por ser querido. Por ter de ser. As palavras despiram os receios. O presente ofereceu futuro. A ilusão adormeceu no acreditar da realidade. O fósforo inflamou-se mas não se extinguiu. Durou o tempo duma cidade a arder. O Guadalquivir corria como se se fechasse num circuito para não desaguar, para não fugir para o mar. Na Maestranza o touro resistia à estocada final e o cavaleiro eternizava a lide. A sedução de Cármen ardia em todos os cigarros contrabandeados. Os toureiros sucediam-se em preces contínuas à Virgem de Macarena. Fígaro escanhoava uma interminável barba de Bartolo.

No meu peito projectavam-se imagens de Casablanca e o beijo de Bogart e Bergman delongou-se em câmara lenta, quase parada, para durar… com a paciência dos corpos que se entregam na comunhão do anseio falado pela voz soalheira da chama. A madrugada destila na manhã e o sono rende-se aos raios de luz que mostram a eternidade dos ciclos, mas a incapacidade de resistir de tudo quanto é finito… como a paixão.

SOLISTA

Foto de Brice Najda

'Pai, o que é um solista?'

'É uma pessoa que toca, canta ou dança sozinha...'

'Ah... pensava que era o senhor que acende o sol.'

sábado, 25 de julho de 2009

SURPRESAS

Foto de s. hervouet

Eu já sabia! Quando a água começa a ser mais do que a capacidade do espaço que a recolhe, começa a procurar frestas por onde sair, a criar pontos de fuga, até que acaba por transbordar. A sua boca começou a ter um aroma de sorriso inocente e espontâneo. As suas t-shirts, rimando habitualmente de qualquer forma com os diversos modelos de calças, começaram a ser escolhidas meticulosamente, até que se encheu de coragem e começou a perguntar-me opinião sobre a forma de melhor as combinar. Convenceu o pai a comprar-lhe uma colónia. Sim! Porque nos momentos de aquisição, o pai é sempre o melhor interlocutor já que as questões levantadas prendem-se sempre e só com o lado orçamental. Raramente as razões do pedido são postas em consideração. Até que me disse aquilo que eu já adivinhava. O meu irmão tem uma namorada.

Tentei evitar perguntas que me saltavam como pipocas a acabar de cozinhar. Sabia, porém, que se por aí fosse, menos conseguiria saber. Controlei-me com a certeza de que se o deixasse falar, mais pormenores ele me revelaria. Mas quis perguntar-lhe se iria dizer alguma coisa à mãe, ao que ele me respondeu: ‘um dia…’

Passei a ser sua cúmplice. Todos os dias ele me revelava pormenores, sabores do seu coração. Dizia-me de que cores pintava as paredes dos seus sonhos, com que tecidos revestia as asas dos seus voos. Eu ouvia-o ávida de novidades e confirmava a minha estratégia de que o ouvindo, sem muito perguntar, despertava nele a fluidez das confidências.

Há poucos dias atrás encheu-se de coragem e disse à minha mãe. Ela sorriu. Estremeceu no seu interior e fez as perguntas mais banais, calando dezenas de outras, daquelas que qualquer mulher necessita fazer, mas que uma mãe ainda mais deseja. Tenho a certeza. Abraçou-se a ele e sussurrou: ‘o meu filho está a crescer’. Senti que o seu coração teve de abrir um novo compartimento.

Pois é… a minha mãe prepara-se para ser sogra. E aquela fatia do seu coração onde o meu irmão mora vai ficar com um pedaço menos. Vou ter de lhe arranjar um namorado para perfumar aquela árvore a que lhe quebraram um galho.

sexta-feira, 24 de julho de 2009

ARDINA

foto do meu Nokia

Ao voltar a passar uma vez mais pela figura do ardina, num dos extremos da Praça da Liberdade, no Porto, lembrei-me de perguntar à minha filha o que é um ardina. Obtive a resposta esperada: ‘Não sei!’

O tempo, a ‘evolução’, o desenvolvimento encarrega-se destas substituições que vão apagando, da história, da vivência contemporânea, realidades que se tornam vividas apenas para alguns.

Ao constatar que o termo ‘ardina’ já nada diz às novas gerações, e perco a noção até qual delas, questiono-me de que termos serei eu próprio desconhecedor porque antes de mim a ‘evolução’ já os tinha apagado.

A virtualidade da internet extermina a realidade em papel. Os jornais lêem-se no monitor em detrimento dos exemplares, antes, vendidos pelos ardinas.

Congratulo-me por existir, por exemplo na Baixa do Porto, uma figura que permita aos pais, avós, tias, tios ou demais educadores, passar por ali com uma criança e explicar-lhe que um ardina era o homem que vendia jornais pelas ruas. É aquela figura que o homenageia. Aquela figura ali perto dum marco de correio e a lembrar que no tempo dos ardinas não existiam e-mails, sms, blogs, twitter, vídeo-confereência… escreviam-se cartas que se depositavam naqueles cilindros vermelhos.

quinta-feira, 23 de julho de 2009

LEITE DERRAMADO

imagem à solta na net


Da minha leitura de Budapeste lembro, especialmente, o ritmo alucinante de escrita que obrigava a uma leitura sem fôlego, que exigia uma atenção redobrada como quem pretende guardar todos os pormenores das viaturas que cruzam uma auto-estrada a alta velocidade.

Esta imagem marcou-me de tal forma que ao pegar em Leite derramado, o mais recente romance de Chico Buarque, angariei resistência e preparei-me para uma leitura duma nova escrita a alta velocidade.

Conforme fui entrando no quarto onde o moribundo vai narrando parte da história da sua vida, fui-me apercebendo que o ritmo esperado não existe antes é substituído por uma impressionante capacidade imaginativa de encarnar o final de vida dum idoso decadente. No princípio chego a questionar-me se teria sido distracção minha a sensação de já ter lido a descrição sobre o momento de atracção por Matilde. E feito néscia considero ‘Ups! Há por aqui gralha…’ E só como terceira hipótese percebo que poderá ser o declínio das capacidades psíquicas do narrador a provocar o ‘erro’.

E com o desenrolar das páginas chega a tornar-se incómoda a forma tão factual como Chico Buarque encarna, nas suas palavras, a demência dum velho que gasta o seu tempo entre o recordar e o relatar dum amontoado de memórias, ora desarrumadas no tempo, ora na realidade do contador.

Nos últimos parágrafos arrepiei-me com a lembrança de visita ao seu tetravô, que assumi tanto poder ser uma recordação real, quanto o ver-se a si próprio ao espelho, nos últimos momentos, nos derradeiros suspiros, nas palavras finais duma história.

Leite derramado não confirma a qualidade de escrita descoberta em Budapeste, antes a potencia com a revelação de novas ferramentas dum senhor que não sabe só cantar, nem só escrever letras de canções, nem só derreter corações femininos, nem só jogar futebol… Chico Buarque consagra o que já era sabido: É um grande Senhor também na literatura!

quarta-feira, 22 de julho de 2009

NO TEU SILÊNCIO

Foto de Waldemar Wienchol


Lançaste sobre mim
um mar de silêncio
na expectativa, entendi,
de calar a incapacidade da razão
No vazio dei instintivas braçadas
e sustive-me à tona
suportei as primeiras vazantes
emergi nas preias-mar
limei-me no ciclo das marés
Avistei-te na margem
mas da onda em que me levei
só a espuma da memória reouve
mantive-te meu farol
e no breu da noite
iluminei-me no teu olhar
Sinto passear na pele
ecos da tua corrente de vida
e regresso numa nova vaga
na espera de te encontrar
ilusão ou ilha
onde possa repousar
as minhas palavras.

terça-feira, 21 de julho de 2009

UMA ONDA... DE MARÉS VIVAS

Foto recolhida aqui

No sábado, fui arrastado numa maré viva. Num impulso meio adolescente, ainda que previamente delineado, deixei-me ir na onda e rumei até ao Cabedelo, onde se prometia um conjunto de concertos digno dos 25,00€ pagos para ter acesso.

Confesso que ainda nunca me aventurara em alguma destas iniciativas que, de ano para ano, marcam mais os Verões. Uma teria de ser a primeira. E ainda que para fiscalizar (sem controle remoto) a adolescência que me descende, lá fui até ao palco mais procurado na área do Porto, no passado dia 18.

Perante a minha total inexperiência e desconhecimento sobre o funcionamento destes acontecimentos, uma vez que fora anunciado os concertos se iniciarem pelas 18h00, e as portas abrirem uma hora antes, organizei-me para lá chegar entre uma hora e a outra. Assim aconteceu.

Já passava das 17h00 quando o autocarro me deixou na última paragem, a que dava acesso ao Festival. Uma multidão aglomerava-se à entrada e uma fila ordenava-se para um dos lados da estrada. Civilizadamente fui colocar-me no final da fila. Mas abertura das portas não era acto que se vislumbrasse. O tempo foi correndo e, à boa maneira portuguesa, foi formada uma outra fila para o lado oposto… às 18h00, quando a primeira banda portuguesa iniciava a sua actuação, resolveram franquear os acessos.

À entrada, os fiscais obrigavam a que nos desfizéssemos das garrafas de água com tampa, ou pelo menos desta última. Princípios de segurança que se revelaram inconsequentes, pois dentro do recinto vendiam garrafas de água com… tampa! O concerto de Gabriela Cilmi anunciava-se [pelo boca a boca, pois no site oficial não conseguira descobrir] para as 20h30. Faltava muito tempo! Dois destinos monopolizavam já os milhares que haviam entrado: os primeiros lugares junto ao palco principal e a área das comidas. As bandas portuguesas actuavam num palco mais pequeno para algumas dezenas de pessoas.

Com alguma antecedência, fui tomar o meu lugar sentado, no chão entenda-se, e aguardar. Por instantes sentia-me fora do contexto quando olhava à minha volta e não via ninguém que se aproximasse da minha idade. Tranquilizava-me quando avistava um progenitor acompanhado da sua ‘cria’.

Impreterivelmente à hora marcada, Gabriela Cilmi subiu ao palco e iniciou a sua actuação. Ao ritmo de uma hora para cada concerto, intervalado por meia hora de montagens técnicas, afinação de luzes e som, e mais acertos, sucederam-se Colbie Caillat, Jason Mraz e os Keane. Gabriela Cilmi, porventura, a menos mediática de todos os que actuaram, surpreendeu pela sua maturidade e o modo como conseguiu agarrar o público para além do seu êxito mais conhecido:
Sweet about me.

O espectáculo cresceu com Colbie Caillat que fez incursões pelos blues, que reviveu
Killing me softly with this song, de Roberta Flack, permitindo juntar adolescentes e adultos a cantar com ela, e que se fez acompanhar por uma extraordinária banda onde destaco Justin Young. Terá pecado, na minha opinião, por exagerados mimos à plateia, os quais me soam sempre a acções de charme dispensáveis por não serem totalmente sinceros. Antes de cantar Bubbly lamentou que Jason Mraz estivesse atrasado e não pudesse cantar com ela o dueto Lucky, esperado pela esmagadora maioria dos presentes. Eu incluído, confesso! Era obviamente mais uma acção de charme.

Jason Mraz chegou antes do dia mudar. A noite tomou, ainda, mais a temperatura do Verão ao som dos ritmos das percussões caribenhas e do trio de instrumentos de sopro. Foi sem dúvida quem colocou a plateia mais em acção, incitando a participação duma forma mais intuitiva. A meio da sua actuação satisfez a expectativa da multidão chamando Colbie para o momento, arrisco, mais esperado da noite. A concluir, recorreu à composição de Lionel Richie para pôr os milhares de pessoas a cantar
All night long.

Os Keane fecharam a noite. Os mais consagrados de todos os actuantes seriam os que traziam maior número de canções popularizadas. Apresentaram, em sucessão, inúmeros temas como
Nothing on my way, Somewhere only we know, Everybody’s changing ou This is the last time, cantados por muitos milhares de vozes.

Nesta onda de marés vivas senti um inesperado conjunto de horas com idade indefinida. Rodeado por
teenagers, senti-me velho por ali estar. Mas, por outro lado... Talvez... Durante a actuação de Jason Mraz, uma adolescente, mesmo ao meu lado, de trinta em trinta segundos gritava o nome do intérprete seguido de um grito agudo histérico. E porque denotava uma genuinidade extrema era impossível não sorrir perante a sua atitude. E… acabei por me sentir mais jovem, por ali estar.

segunda-feira, 20 de julho de 2009

O BULHÃO

Foto do meu Nokia


Nas cidades com rio, as ‘Baixas’ moram obviamente por perto. Centro de toda a vida citadina, foram envelhecendo conforme a metrópole se espraia para outros territórios. Enquanto tal acontece, os edifícios degradam-se, os serviços que permanecem empobrecem e a população, que não se move, envelhece. Nos tempos mais recentes, alguns municípios portugueses têm procurado o propósito de trazer até às ‘Baixas’ uma população jovem. Creio, contudo, que as baixas continuam a ser uma área onde predominantemente acorrem os turistas, onde os munícipes passeiam para ver montras, e onde se demoram gentes cada vez mais pobres e que sentem a vida a roubar-lhes autonomia.

Foi com este espírito que voltei a entrar no Bulhão. A questionar-me como pode um espaço tão característico duma cidade, manter-se vivo se… precisa de modernizar-se e acompanhar as novas ofertas que se inventam. Como conseguirá concorrer com outros espaços criados para satisfazer o ‘hoje’? Como pode atrair as novas gerações da cidade? Os turistas, esses sim, continuam a vir visitá-lo. Mas não é das visitas que ele vive. Talvez por isso alguns mercados históricos europeus, tenham sido transformados em espaços de mostras.

“Quer alguma coisinha fresca, freguês?”
A esta pergunta lançada pelos vendedores do Bulhão, apeteceu-me responder:
- Sim quero! Uma ideia ‘fresca’ para preservar espaços como o do Bulhão, enquanto centro privilegiado do mercado tradicional dos municípios.

domingo, 19 de julho de 2009

OUTROS

Foto à solta na internet


Na sexta-feira, o ‘Sã João’ estava lotado. Um público extremamente informal e heterogéneo, que ia dos pais aos filhos e dos netos aos avós.

OK! Esqueçamos as limitações vocais que se tornam ainda mãos notórias nas canções que não são as dele. Mas não conseguimos passar indiferentes à entrega, ao quanto ele põe em palco, do seu interior, do seu eu. O espectáculo chama-se Outros, porque Pedro Abrunhosa canta essencialmente canções de outros, mais algumas dum ‘careca do Porto’. Eu diria que não é propriamente um espectáculo. Imaginei-me a entrar no seu quarto num momento em que ele folheava um álbum que não era de fotografias, mas de canções que ouviu na sua infância e na sua adolescência. Como Pedro Abrunhosa é apenas uns meses mais velho do que eu, a maioria dos temas que relembrou são também das minhas infância e adolescência.

Sem ser exaustivo nos autores/cantores interpretados, Abrunhosa recordou nomes como Leonard Cohen, Prince, Art & Garfunkel, Tom Waits, Lou Reed, Bob Dylan, Ray Charles e os portugueses Fausto e… Pedro Abrunhosa.

Diz o intérprete/autor que “Na história das minha música cruzam-se vozes, sombras e ecos de autores que por dentro foram moldando o horizonte dos meus próprios passos. (…) com Outros presto tributo aos que inventaram afectos através do formato ‘canção’. É tão pesada a herança quanto o desafio.”

Relativamente a Pedro Abrunhosa e especialmente aos seus poemas, diria que ele não inventa, antes traduz os afectos que pulsam em mim. Ao ouvir, ao ler, ao cantar, as suas canções, são os meus afectos, ou a sua inexistência, que se escrevem com as palavras que ele inventa.

O concerto são duas horas e meia de entrega, de prazer e de muita, muita realização pessoal, de Pedro Abrunhosa. Acompanhado por cinco fantásticos intérpretes, tenho de destacar, ainda que muito curta, a participação de Edgar Caramelo. Ao longo de todo o concerto, Abrunhosa revela um apurado sentido crítico e de humor. Lê alguns curtos textos de poetas e escritores portugueses contemporâneos. De entre muitos retive umas curtas palavras de Jorge de Sousa Braga, que o próprio Abrunhosa identificou como tendo um título maior do que o poema: “Ao menos | os teus olhos permanecem | verdes todo o ano” sob o título Nos semáforos da Rua de Santa Catarina. Não se coíbe de ser mordaz e pôr em causa a inércia dos governantes; quer os que estão nos ministérios, quer, e sobretudo, os líderes municipais com especial ênfase para Rui Rio.

O espectáculo conta com a projecção de imagens pejadas de sensibilidade, de Augusto Brázio, e dumas interventivas luzes de Nuno Meira. No fundo são diferentes espectáculos, no mesmo evento.

Para colmatar tudo o que narrei, fui um dos contemplados com um aperto de mão quando Pedro Abrunhosa desceu à plateia. Que mais pode ambicionar um fã, que teve o privilégio de ouvir, ao vivo, canções como Ilumina-me, Se eu fosse um dia o teu olhar, Eu não sei quem te perdeu ou Quem me leva os meus fantasmas?

sábado, 18 de julho de 2009

EM CÂMARA LENTA [II]

Foto de Lukas Wozny


Quando soam os últimos acordes e as luzes se apagam, o movimento repousa os corpos, a adrenalina reduz os níveis e, em fracções de tempo, há que recuperar a postura para responder, quando o escuro voltar a ser iluminado, aos aplausos da plateia.

São minutos de conforto ou desencanto, onde algumas combinações são possíveis. A confirmação de que coincidem a apreciação do público e o sentimento do intérprete; a surpresa perante uma reacção que supera a tradução que o artista fez da sua actuação; a desilusão de sentir que todo o esforço não tocou os espectadores.

Corria a primeira metade da década de oitenta. Na sumptuosa cidade de Wiesbaden o maestro ordenava a conclusão das harmonias da Sinfonia 101 em Ré Maior de Haydn, no Hessisches Staatstheater Wiesbaden repleto de camisas brancas sob fraques de cerimónia e de brilhos de variadas cores dos vestidos femininos. As luzes apagaram-se e as centenas de espectadores irromperam em calorosos aplausos. O número de agradecimentos ensaiados estendeu-se bem para além do normal; prolongavam-se em direcção à dezena de minutos de duração quando foi ordenado o derradeiro fecho da cortina.

Desfizemos a postura. Os sorrisos trazidos da interpretação transformaram-se na satisfação do sucesso. Os corpos cansados redescobriram energias e… os ouvidos alertaram-se. Os aplausos não se haviam silenciado. Mesmo que a cortina não tivesse voltado a abrir. Mesmo que as luzes da sala se tivessem acendido, os aplausos continuaram.

Foi-nos indicado que retomássemos a ‘organização’ e passássemos para a frente da cortina. As luzes do candelabro da plateia e as lâmpadas das galerias permitiam, agora, ver melhor o público, os seus rostos de prazer. Eram muitos os que de pé não desistiam no seu desejo de nos premiar com o seu reconhecimento.

E a pele ainda hoje se arrepia quando lembro a emoção sentida ao ver regressarem à sala espectadores que entretanto já tinham saído.

sexta-feira, 17 de julho de 2009

AROMAS DE DESEJO

Foto de Cindy


No cheiro do teu corpo
procuro o desejo onde moro,
na seara seca pela espera
quero atear o fogo que me consome;
Percorro cada desfiladeiro
com a mestria do arqueólogo
e mergulho no mar adormecido
acalentando braçadas de ternura;
Faz do meu corpo rochedo
onde rebentas as ondas da tua sede
percorre cada rua, cada praça
com a devassa dos teus dedos;
Afasta as nuvens que cobrem o céu
voando na rota de beijos incendiados
e deixa que o teu vento sopre
no deserto da paixão insaciada.
Quando a bonança calar a tormenta
e a Primavera ocultar o Inverno
o prazer escorrerá nas gargantas
E ao chegar à praia
deitar-me-ei no teu leito de areia,
deixarei o teu sorriso
derreter o fervor da entrega;
no calor da minha boca
despejarás a humidade dos teus lábios
e adormecerei na alvorada
do teu sonho.

quinta-feira, 16 de julho de 2009

O FORASTEIRO

Foto de kuronakko


A sala estava cheia, como era usual, mas o serviço matematicamente calculado não obrigava longas esperas a quem chegava para almoçar.

Enquanto esperávamos pelo bacalhau com natas servido na frigideira de barro, eu e Diana conversávamos sobre o lançamento do primeiro livro de Afonso e da surpresa que ela idealizara preparar-lhe. Diana não se continha na sua excitação com este sucesso do seu companheiro. Não falava muito, mas o seu sorriso eternizava-se nos lábios e seguramente no peito. Em cada palavra irradiava uma infinita esperança de êxito.

A porta, para onde ambas estávamos voltadas, abriu-se uma vez mais. Entrou um homem que não era habitual ali, pelo menos aos almoços. O senhor Pacheco perguntou-lhe se estava sozinho e perante a sua resposta afirmativa preparou-lhe uma mesa junto à janela. Havia algo de indefinido na sua idade. A cor do cabelo, a inexistência do mesmo em algumas zonas, mas sobretudo as rugas que lhe marcavam o rosto, atribuíam-lhe uma idade não condizente com a sua silhueta, a sua postura, a forma como vestia. No seu olhar havia uma gruta por explorar. Olhou todas as mesas, como se procurasse reconhecer alguém. Eu observava-o quando parou na nossa mesa. Senti que logo em seguida o seu olhar se cruzou com o de Diana. Caminhou até ao seu lugar. Sentou-se de costas para a janela, com visão total sobre quase toda a sala.

Diana lembrara-se de pedir ao Miguel que viesse à sessão de lançamento da obra de Afonso. Há ano e meio que Miguel partira para o Chile. Desde então nunca mais o viramos. Ainda não voltara a Portugal. O livro de Afonso visitava episódios de infância e sem que citasse ou referisse explicitamente Miguel, sabíamos que ele passeava por muitas daquelas páginas. Era essa mais uma razão para que o amigo e sociólogo fosse a pessoa ideal para o evento de apresentação. Diana convencera Leonor a explicar a Afonso a importância, para a editora, em poder contar com um professor da Universidade Clássica, a quem dera o livro a ler e que, pelo entusiasmo demonstrado pelo mesmo, se revelaria um trunfo maior para aquela ocasião. Não foi difícil a beleza, o charme e a posição de Leonor lançarem confiança em Afonso.

Enquanto discutíamos pormenores olhei em direcção da janela e o meu olhar cruzou-se com o do homem sentado de costas para a rua. O bacalhau com natas chegou e durante a sua deglutição, inexplicavelmente, o meu olhar seguiu repetidas vezes o mesmo caminho, encontrando o dele na minha direcção. Ou seria nossa? É que Diana, de costas para ele, algumas vezes extemporaneamente virou a cabeça para o observar.

Miguel chegaria na sexta-feira e ficaria em minha casa. No entanto, teria de ser Diana a ir buscá-lo ao aeroporto e levá-lo para minha casa. Ainda que tudo estivesse repetidas vezes verificado, eu e Diana ensaiámos, de novo, todos os passos. Diana não parava de sorrir ao imaginar a reacção emocionada de Afonso ao deparar-se com o seu amigo para apresentar o seu livro. E mais uma vez o meu olhar foi em busca daquela gruta que parecia me convidar a entrar nela.

Enquanto pedimos o café, o forasteiro prolongava a sua refeição com uma sobremesa de cerejas. Quase pressenti um desafio para tentar decidir quem terminaria primeiro. Quem iria saldar a conta e sair à frente. Quem iria renunciar àquele jogo de olhares.

Fomos nós! E num esforço não o desafiei no último cruzamento. Mas ao passar a porta senti, nas nossas costas, o seu olhar seguir-nos.

quarta-feira, 15 de julho de 2009

COIMBRA, O MONDEGO E MIGUEL TORGA

Fotos do meu Nokia


Os rios são uma riqueza para as cidades que os possuem. Foram portas principais para o comércio e são, agora, o local onde as cidades se alargam, se produzem, respiram, ganham espaço para respirar e vivem momentos de lazer. O Mondego é o rio de Coimbra.

Há cidades que nos cativam à chegada, outras que vão construindo em nós o seu território conforme vamos repetindo as visitas. Devo confessar que Coimbra nunca foi uma cidade que me matasse de amores. Mas ao visitá-la revivo lembranças de vindas passadas.

Há um quarto de século atrás, o Mondego não tinha o caudal actual. Talvez por isso lembro-me de ver mulheres a lavarem roupa nas margens que hoje não existem, junto à Ponte de Santa Clara. Mesmo em frente ao histórico Astória existem umas escadas que dão acesso ao Mondego. Numa dessas vindas, no início dum Verão que tinha elevado as temperaturas, durante o dia, até aos 42º e esgotado as bebidas em todos os locais alí à volta e abertos à noite, essas ditas escadas foram local de reunião para o grupo superar o calor que se fazia sentir nos quartos sem ar condicionado, do Astória.

Hoje, um pouco à esquerda dessas escadas existe um caminho que nos leva ao nome de Torga suspenso sobre o Mondego.

“De todos os cilícios, um, apenas, Me foi grato sofrer: Cinquenta anos de desassossego.
A ver correr, Serenas, As águas do Mondego


Também o poeta|escritor reconhecia a importância do rio na cidade que fez sua.

terça-feira, 14 de julho de 2009

O CAMINHO ATÉ TI


Sobre retalhos dos dias
estendo um caminho
que desenho até ti.
Espalho conchas de fogo
sobre areais de pegadas,
prados de passos por identificar
trilhos de oportunidades por descobrir.
Elejo linhas de estrelas
inventadas num mar de desejos.
Mas no universo das madrugadas
deambulo por vielas perdidas,
dias livres presos ao medo
do movimento incontrolado da paixão
suspenso na luz dum olhar
aceso, algures, na floresta de rostos
com que me cruzo mas não reconheço,
por me faltar ainda esboçar
o troço desse caminho
que me levará até ti.

segunda-feira, 13 de julho de 2009

EM CÂMARA LENTA [I]

Foto de Lukas Wozny

Quando me entregaram o saco de plástico preto senti que a minha participação activa terminava ali. Era como se aquele saco de plástico preto fosse o cartão de inaptidão para intervir naquele final, como se me fosse reconhecida incapacidade para o ‘arrancar’ até à meta.

Começavam ali, longas horas de espera, de ansiedade, de dúvida, de receio de deficiência de informação. A noite acabou por saltar o obstáculo do dia e entrar na madrugada. De quatro em quatro horas a informação era a mesma e nada se alterava. O movimento repetia-se entravam juntos, procediam à inscrição, ele ficava a aguardar, chamavam-no, ele entrava e passada uma fracção de hora, saía com um sorriso de orelha a orelha; ‘Já está!’ Foi assim, repetidamente, ao longo da noite, da madrugada, da…
as conversas esgotavam-se e só o disparate cruzava o calor da noite por forma a manter-nos acordados e tentando gelar o nervoso que se acumulava.

A madrugada acabou por dar lugar à manhã e as notícias chegavam, de quatro em quatro horas, sempre iguais. Aproximadamente dezasseis [sim 16!!!] horas depois… implicitamente chamaram-me. Mas, antecipadamente, eu assumira a minha incapacidade de fazer mais do que já fizera até ali. E a F entrou no meu lugar. Afinal fora por isso que a F ali ficara toda a noite, toda a madrugada, toda a manhã à espera de que… me chamassem. Fora em nome da amizade que a F deixara a sua família em casa para ali estar e substituir-me no momento em que eu assumiria a minha incapacidade de participar no momento final. A F entrou mas pouco tempo depois saiu com o recado: ‘És tu que tens de entrar!’ E eu entrei. Sem saber porquê… sem saber para quê. E lá fui à procura do meu destino. Encolhido na minha incapacidade para agir no que fosse. Diminuído na minha aptidão para apoiar no que fosse. Reduzido à minha certeza de que só iria ‘complicar’ por não me sentir preparado para aquele momento.

A espera seguinte talvez tenha durado uma hora. Não sei… não sabia nada, nem de nada, como poderia saber o tempo que passou. Fui arrastado pelo desenvolvimento dos acontecimentos, de espaço em espaço, de acto em acto. Até que… se deu o momento. E aconteceu! E eu estava ali… afinal. E era vasta a equipa que testemunhava aquele momento. E eu nem chorei, nem desmaiei, nem gritei… estive ali. E quando me ordenaram que cortasse o cordão umbilical, fi-lo sem sequer perceber a importância daquele acto. Eu que me sentira incapaz de participar… não participei. Mas… fui eu que a obriguei a viver. Fui eu que, sem palavras, lhe terei dito ‘Vai! Vai à tua vida! Faz por respirar sozinha, por te alimentares por ti! Solta-te e vive!’ Fui eu que, com aquele corte, pus termo a nove meses de gestação que uniram a mãe e o seu rebento. E não, não participei no seu percurso do interior materno até à luz da vida. Mas fui eu que num golpe, lhe cortei a sua sustentação e a empurrei para a vida!

domingo, 12 de julho de 2009

A PROPOSTA


Uma comédia simpática que nos vai fazendo sorrir. O poder exercido por uma mulher líder que na profissão vai espalhando o ódio entre os súbditos que a temem, mas não a respeitam e cujo assessor é um fiel apoio, porque movido por interesses de promoção profissional. Ela é editora e ele, para além de ambicioná-lo ser, gostaria de ver publicado um manuscrito de sua autoria. Como contraponto imediato a uma posição em que, uma vez mais, fez uso da sua autoridade, Margaret [interpretada pela bela Sandra Bullock] vê-se confrontada com uma inesperada realidade que lhe provoca uma desagradável surpresa. Uma vez mais recorre aos seus atributos e ‘obriga’ Andrew [interpretado por Ryan Reynolds] a tornar-se seu noivo. Contudo a sua posição fragiliza-se e Andrew percebe que poderá valer-se disso, assumindo o controle sobre o desenvolvimento dos acontecimentos próximos.

Por entre sublevações entre personalidades, a comédia leva-nos através de momentos que nos fazem pensar nos valores da família, na dificuldade em aceitar as diferenças e na força que se derrete quando o sentimento ressuscita de memórias esquecidas.

Inesperadamente, o drama, algumas vezes ameaçado, toma conta da comédia e a leveza do filme entristece. Depois… o inesperado não acontece e o humor volta a tomar conta das últimas imagens.

Um filme que se vê aprazivelmente se não criarmos a expectativa de ir encontrar uma obra cinematográfica sublime. Um filme agradável se não formos à procura de algo que nos enriqueça o dia. Uma forma de aliviar o domingo quando se pensa que amanhã é segunda-feira.

PROCURA

Foto de Kaveh H. Steppenwolf


No silêncio da noite
procuro sílabas que inventem novas palavras,
partículas ínfimas
perdidas na poalha das estrelas.
E oiço o sorriso de anjos
encanecido na volatilização dos cânticos,
aferrolho os sentidos
para que não me entrem no coração.
O frio e a humidade
abraçam a noite despida pelo vazio das horas,
parto para o mar
em busca de ondulações que crepitem
o peso das palavras
escrito a sal nos corpos flutuantes de solidão.
Deixo a espuma tocar na pele
porque é nela que o ânimo se arrepia
e é pelos poros que a emoção penetra
e é nessa membrana que as palavras desbravam
o caminho inóspito até ti.
E escrevo-te, descrevo-te, invento-te.
Sim! Já não sei se são as palavras, se tu
esta irrealidade de que me alimento,
esta utopia com que me visto,
todos os dias, todas as noites,
em que me escrevo
na certeza de encontrar uma linha que te cruze
e com que me grites:
“Existo! Sou tua!”

sábado, 11 de julho de 2009

MEMÓRIA DAS ÁGUAS

Foto de Ursula I Abresch


Escuto a memória das águas
dispersa pela velocidade da corrente
resgatada à quietude da ria;
Soltam-se abraços das margens
limbos de ulmeiros estendidos
nas anotações de palavras inacabadas;
Cânticos soluçados e esquecidos,
libertos no rompimento do dique
seguros ao tanger do violino suspenso;
Molha-me a secura da pele,
o escorrer deste sabor indefinido
que não provo mas ouço;
são cataratas volúpias do tempo
acordando lembranças perdidas,
guardadas nos ouvidos do segredo;
Toca-me a frescura da chuva
gotas evaporadas da ribeira
descendo na procura de prazer;
carícias de mãos por conhecer
incapazes de segurar a explicação
do sentir destes dedos embebidos
na memória das águas
que preciso beber.

sexta-feira, 10 de julho de 2009

DESCONSTRUÇÃO DA ILUSÃO

Foto de wyb


Nas mãos vazias
tenho a desilusão do olhar
Rasgos de Primavera
na desconstrução do começo
O frio da noite
ao arrefecer a calidez da tarde
Livro fechado
no derreter do entusiasmo
Palavras descoloridas
na revelação da surpresa
Freio do impulso
na amplitude do salto.
Desencanto…
Desmanche…
Desfazer…
Decepção…
Nova espera repetidamente adiada
até um novo amanhã
até te revelares
num primeiro despe
rtar

quinta-feira, 9 de julho de 2009

LARGO CAMÕES

Foto do meu Nokia

Cai relva no Largo Camões. E o poeta, ao olhar a seus pés vê a calçada portuguesa arrelvada de verde e, pasmem-se... com oliveiras. Sim uma árvore com tradição de cultivo em Portugal. Não, não são palmeiras, essa outra árvore que tão bem se tem desenvolvido em tudo o que é rotundas, avenidas, parques, jardins e afins dos mais diversos municípios portugueses... Desenganem-se os que julguem poder encontrar, neste Jardim das Oliveiras, descendentes dos apóstolos em oração junto de Jesus, perdoem-me, de Camões. Será apenas uma acção de marketing promovida por um azeite português ‘afamado’, que permitirá que ainda mais transeuntes se sentem no chão duma das mais características praças lisboetas. Ali na zona do Chiado.

quarta-feira, 8 de julho de 2009

MÁXIMA I

Foto de funkeldink

As rugas são o sorriso da pele
quando o tempo começa a escrever
uma vida com história

CANTATA

Foto recolhida aqui

Para quem estiver por Lisboa, sugiro um salto ao Largo do S. Carlos, nas noites de hoje a domingo. Sempre pelas 22h00, terão a oportunidade de apreciar uma obra com aromas de terra, lua, tradição, amor, rua, luta e festa, muita festa. Para vos satisfazer os sentidos terão oportunidade de ouvir o vozeirão de quatro mulheres. Napolitanas que começaram a cantar nas ruas, as AS.SUR.D encantam com a sua genuinidade, o seu calor, a sua força, a sua dádiva. Inseridos no Festival ao Largo, os espectáculos da Companhia Nacional de Bailado incluem para além de Cantata, uma outra obra intitulada Concerto. Dela, como não conheço, nada posso dizer. Mas Cantata conheço-a muito bem, assim como às AS.SUR.D. Por isso vos as sugiro. Lamentavelmente, deveres profissionais impedir-me-ão de lá estar hoje e nas outras noites. A entrada é livre e acredito que desfrutarão de cerca de três quartos de hora de prazer.

terça-feira, 7 de julho de 2009

PERCURSO DE HOJE

Foto de Gilles Bonugli

Trago os passos
num percurso sem rumo.
Ventos do passado
projectam sombras
no chão do futuro.
Deixo cair palavras.
Lágrimas e sementes.
Não sei se as bebes
se as lavras.
Não sei quem és!
Deixo-me entrar em ti
para te fecundar o prazer
de fazeres do meu trilho
o teu caminho.


segunda-feira, 6 de julho de 2009

A MEMÓRIA DAS PALAVRAS

Foto de latoday


Lembras-te de quando as palavras corriam em desafio tomando a dianteira para depois esperar pelas outras, ou qualquer delas deixando-se para trás à espera do puxão das que se adiantaram?

Lembras-te das palavras que correram a distância da maratona, num tempo de meio-fundo sem obstáculos?

Lembras-te das palavras que tropeçavam, se empurravam, caíam, se confundiam e nos deixavam sem saber se eram minhas, se tuas?

Lembras-te da sofreguidão das palavras que se embrulhavam, se não concluíam, se diminuíam para logo serem aumentadas?

Lembras-te das palavras procurando dizer tanto, em tempo de nada, e conseguiam dizer tudo?

Lembras-te das palavras que se ansiavam, se sonhavam, se desejavam, e em silêncio se liam, se inventavam em abraços demorados?

E lembras-te das palavras que esperadas, tardaram? Que mal entendidas, magoaram? Que não sendo lâminas, feriram?

Todas elas estão guardadas numa cela onde ninguém lhes pode chegar. Onde ninguém as consegue ler. Porque elas foram o alfabeto que inventámos e só ele as pode decifrar. Só ele possui o código da nossa cumplicidade.

Não sei se as lembras. A minha memória ainda tem na pele o perfume que lhe deixaste.